“Ou se faz uma reforma tributária pensando nas startups, ou melhor deixar como está”

Em entrevista à Esfera Brasil, o advogado da Ulhôa Canto Aloysio Miranda detalha como a proposta de reforma tributária em discussão na Câmara dos Deputados vai na contramão do Marco Legal das Startups, aprovado pelo Congresso e sancionado pelo governo recentemente. 

Segundo o especialista em direito tributário, com foco em fusões e aquisições, as mudanças dificultam as reorganizações societárias de empresas de inovação, além de desincentivar investimentos de longo prazo em stock options.

Como a reforma tributária proposta pelo governo e alterada pelo relator afeta as startups brasileiras?

A proposta de tributação dos dividendos com uma carga muito alta já seria o suficiente para afetar. Mas há algumas questões que são mais significativas, especificamente para as startups:

1) Planos de stock options, que passaram a ser indedutíveis para essas empresas. E isso é muito importante para o ambiente de empreendedorismo das empresas novas;

2) Amortização das despesas com intangíveis, com os investimentos feitos em inovação e tecnologia. Atualmente, a legislação prevê que essas despesas são dedutíveis do Imposto de Renda (IR), conforme o prazo dos contratos e a vida útil desses investimentos em tecnologia, em ativos intangíveis, mas eles estão propondo mudar isso;

3) Reestruturações societárias, nas quais eles criaram — pelo menos com relação à redução de capital — um impeditivo para que as empresas se reorganizem de forma neutra fiscalmente.

Esses três pontos podem criar uma grande animosidade, não só para os próprios empreendedores, como também para os investidores, especialmente os estrangeiros.

 

Como essa proposta poderia ser corrigida?

O Congresso e o Executivo acabaram de promulgar o Marco Legal das Startups, que foi discutido durante bastante tempo. Pareceu que tanto o Congresso quanto o Executivo tinham colocado o empreendedorismo, a inovação e as startups como uma prioridade para o país. Mas as mudanças tributárias propostas são, na realidade, contrárias a esse espírito de fazer com que o Brasil se torne um polo de inovação e de empreendedorismo corajoso, que pode fazer mudar a feição do país e criar mais empregos. 

O melhor seria deixar como está, por uma razão: em relação aos ativos intangíveis, no mundo todo, o tratamento é mais ou menos nessa linha, de ter um prazo que seja condizente com a vida útil do bem ou com o contrato no qual ele se baseia. Imagina você investir num software durante um ano, ele vai ter uma vida útil de dois, três anos, mas você só vai poder amortizar aquele primeiro ano de investimento em 10 anos. Isso é um desincentivo à inovação e ao investimento em novas tecnologias. Melhor deixar do jeito que está, que é como funciona em outros lugares do mundo em que as coisas estão andando com sucesso. 

Com relação às stock options, a discussão maior era se isso seria um rendimento e, em geral, está consolidado o reconhecimento de que isso seria um rendimento para o beneficiário, ou seja, para a pessoa física que está trabalhando e é beneficiária das opções de compra de ações. Isso já está consolidado na legislação, na jurisprudência, e é como funciona. Não é o ideal, mas é como funciona. Do outro lado, do lado da empresa, dado que isso é o pagamento de um rendimento para a pessoa física, é natural que fosse dedutível para efeitos de IR. O que a proposta do governo está fazendo é simplesmente não permitir a dedutibilidade dessa despesa para efeitos de IR. E isso naturalmente não é favorável. É óbvio que é possível fazer uma diferenciação entre quem é empregado e quem é administrador, mas, no caso, eles simplesmente optaram por fazer com que essas despesas, esse rendimento atribuído aos empregados, aos administradores, fossem totalmente indedutíveis. O grande problema é que o pessoal que é empreendedor, que é administrador, que é sócio pequenininho da startup, começa ganhando pouco dinheiro, e os planos de stock options acabam sendo um investimento para o futuro. Isso é um elemento fundamental para o meio ambiente do empreendedorismo: apostar as suas fichas todas no futuro. E não é justo, já que isso é considerado rendimento, que não seja dedutível para efeitos do IR. Então também é um desincentivo bastante significativo.

Com relação à questão das reestruturações patrimoniais, em especial à redução do capital, a proposta do governo também quer evitar o que se chama de “planejamentos fiscais abusivos”. Só que, ao evitar esses planejamentos, que são exceção, estão fazendo o quê? É como se você derrubasse a floresta para tirar de lá a erva daninha. Não é assim que se faz. O certo seria criar toda uma legislação que atacasse o planejamento fiscal abusivo. Assim, você faria a prevenção, e não simplesmente diria que as empresas não podem fazer reestruturações nos seus negócios de forma neutra tributariamente. Portanto, seria melhor deixar isso como está ou, quem sabe, no futuro, fazer uma legislação mais bem pensada, mais refletida sistematicamente, que tratasse dessas questões de uma maneira mais global e mais harmônica, que fosse possível estabelecer um funcionamento harmônico entre aquilo com que o fisco se preocupa e o que é importante para as empresas se desenvolverem, se combinarem com outras, transferirem ativos em situações onde não há ganhos de capital e premiarem, sem penalidades, o esforço do empreendedor que deu certo.

 
Fazer uma etapa da reforma só pensando nas startups?

Seria muito interessante se a gente pudesse, olhando as startups com um foco diferente, combinar não só mecanismos de incentivos de longo prazo, sob o ponto de vista tributário, como também, em termos de mercado de capitais, para que eles pudessem ter acesso mais barato a capitais aqui no Brasil, com menos burocracia. Um dos grandes segredos dessa indústria de startups e venture capital é justamente esse: nos EUA, por exemplo, esses investimentos são muito desburocratizados. É muito simples de fazer, ao contrário do que é, em geral, aqui no Brasil.

Qual seria o ambiente ideal para o desenvolvimento de startups no Brasil?

Em relação à amortização de intangíveis, por exemplo, o ideal seria que houvesse, ao contrário da extensão do prazo de amortização, uma aceleração, porque isso é um incentivo. Deixar de pagar IR, e o fato de você deixar de pagar IR reverter para a própria atividade da empresa, permitiria que as empresas crescessem mais rápido, com mais capital, e com a certeza de que elas estão inovando e retribuindo. 

Segundo ponto: por exemplo, essa questão das stock options, o certo seria dizer que, se o beneficiário continuasse com aquelas ações por muitos anos e simplesmente não recebesse, que ele pudesse não ser tributado. No passado, havia uma regra que isentava de tributação o ganho de capital quando a pessoa física tinha ações por mais de cinco anos. Com isso, você fazia com que houvesse um incentivo aos investidores de longo prazo. Isso também é uma coisa interessante que poderia ser estudada para os empreendedores. 

Por fim, é fundamental que se estabeleça uma regra em que toda e qualquer reestruturação societária, que inclusive tem reduções de capital, não afete a continuidade da empresa. Ou seja, não prejudique a continuidade das empresas, que são tributadas em eventos que não geram sequer realização em dinheiro. É simplesmente combinação ou realocação de ativos de um lado para o outro. Isso é fundamental. Nesse ambiente de startups, é muito comum que essas startups se juntem umas às outras. Antes mesmo de serem compradas, já têm um round de investimentos, ou dois, ou três, tem uma startup que é parecida com a outra, ou complementar, elas se fundem. Esse tipo de operação não pode ser tributado enquanto não tiver um IPO, uma venda para um terceiro. Isso é um desserviço, tributar essas reestruturações, que sob o ponto de vista da empresa, tinham que ser sempre neutras, fiscalmente falando. 

 
As startups são muito dependentes de investimento estrangeiro? O que aconteceria se eles não olhassem mais para o Brasil?

É muito comum que o investimento inicial, num nível baixo, seja até de brasileiros, mas a partir do momento em que você vai para séries B, C, esses investimentos são 100%, 1000%, de investidores estrangeiros, acostumados a investir com esse nível de risco, com empresas que estão começando. A maioria absoluta dos investimentos vêm de fora.

Com a reforma proposta, a gente vai parar de atrair esses capitais, o que vai fazer com que essas empresas passem a não crescer num ritmo que estão crescendo e aparecendo nos últimos 5, 10 anos e criando emprego. Esse pessoal de capital rápido, no momento em que há insegurança jurídica, insegurança regulatória, que fiscalmente as regras mudam no meio do caminho, vai investir em outro lugar. Vão procurar um outro lugar onde não tenha esse tipo de problema. E no mundo está cheio. Até, por exemplo, se você for ver a quantidade de brasileiros jovens que se mudam para países que têm oferecido incentivos ou que tenham um clima, um ambiente negocial mais receptivo, como os EUA. Ou Portugal, que criou incentivos, onde há uma indústria emergente. E Israel, para onde muitos brasileiros estão indo. A gente está competindo nesse mundo globalizado e temo que esse tipo de regra afaste os investidores estrangeiros e até os empreendedores, que não se sintam tão motivados a ficar por aqui. 

 

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