Mercadante diz que BNDES terá como foco a indústria e não voltará ao passado

O futuro presidente do banco de desenvolvimento apresentou 5 novos diretores do órgão em encontro com empresários associados da Esfera Brasil nesta quarta-feira (21)

Aloizio Mercadante, que assumirá a partir de 1º de janeiro de 2023 a presidência do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), participou de encontro organizado pela Esfera Brasil nesta quarta (21), em São Paulo.

O ex-deputado, ex-senador e ex-ministro aproveitou o encontro para apresentar aos associados da Esfera, em primeira mão, 5 dos próximos 8 diretores do banco. E mais: quatro deles são ligados ao mercado financeiro. Os futuros integrantes da diretoria são Alexandre Abreu, ex-presidente do Banco do Brasil e do Banco Original, José Luis Gordon, economista e presidente da Embrapii (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial), Luciana Costa, presidente no Brasil do banco francês de investimentos Natixis, Luiz Navarro, ex-ministro da CGU (Controladoria-Geral da União), e Natália Dias, CEO do Standard Bank Brasil.

Durante o almoço com os associados da Esfera, Mercadante anunciou  ainda que os ex-ministros Tereza Campello e Nelson Barbosa serão titulares de diretorias no banco.

O presidente indicado do BNDES conversou com a Esfera Brasil sobre quais serão as prioridades do banco de desenvolvimento no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Leia a seguir:

Esfera Brasil – O que o senhor achou do encontro realizado pela Esfera com alguns empresários?

Aloizio Mercadante – É uma oportunidade muito importante do grupo Esfera para dialogar com empresários de vários setores, de empresas relevantes que conhecem o BNDES, que têm uma avaliação da situação do país. E esse tipo de diálogo, de troca de ideias, ajuda muito nesse processo que nós estamos de construir a nossa proposta do BNDES, para conhecer as nossas ideias e tenho certeza que terá um impacto bastante positivo. O Brasil precisa nesse momento de reconstrução e de esperança.

Esfera Brasil – O senhor disse que o BNDES não vai usar políticas do passado, usar recursos do Tesouro. É isso mesmo?

Mercadante – Nós tivemos um período histórico em que o BNDES representava mais ou menos 1,9%, 2% do Produto Interno Bruto, na sua carteira de crédito, no financiamento às empresas, com muitos exemplos exitosos. Por exemplo, todo o setor de papéis e celulose nasceu praticamente no BNDES, a Embraer– só 8 países do mundo produzem aviões e o Brasil produz graças ao apoio que o BNDES teve ao longo da história. No setor, por exemplo, de energia eólica, o Brasil conseguiu substituir importações, ser bastante competitivo, com grande apoio do BNDES.

Nós temos uma história de grandes realizações para impulsionar a industrialização, o desenvolvimento do Brasil. Antes, 43% da carteira do BNDES era indústria. Hoje é apenas 16%, então nós temos um desafio de reindustrialização. O BNDES já apoia em R$ 50 bilhões micro e pequenas empresas, cooperativas de crédito, para aumentar o volume de recursos. Nós temos o desafio da economia verde, da descarbonização, da inovação tecnológica, da indústria 4.0.

São muitos desafios para o Brasil voltar a ter uma indústria pujante, crescer aceleradamente, gerar emprego de qualidade, e o BNDES é um instrumento. Agora não tem espaço no Orçamento para financiar o BNDES, para os desafios das políticas públicas mais importantes, então o BNDES precisará ter uma boa gestão, aumentar a sua eficiência para poder ter mais recursos e buscar parcerias internacionais.

Hoje, por exemplo, nós temos 55 bilhões de euros da União Europeia para países do terceiro mundo para economia verde, para investimento verde, para sustentabilidade. E o Brasil pode ser o líder mundial com o presidente Lula, com a liderança que ele tem no planeta, com o que nós já fizemos na Amazônia e vamos voltar a fazer com o combate ao desmatamento para atrair esses financiamentos e aumentar a capacidade de financiamento do BNDES.

Nós tínhamos uma parceria engatilhada com a China de 10 bilhões de dólares que foi suspensa pelo isolamento do Brasil. Vamos restabelecer esse diálogo e, com isso, trazer mais recursos sem pressionar o Tesouro.

Nesse momento, o BNDES está encerrando o ciclo de transferir dinheiro para oTesouro. Ele recebeu muito, depois teve que transferir tudo – a última parcela é agora em 2023. Então nós queremos uma relação de equilíbrio com o Tesouro e buscar outras alternativas de financiamento.

Esfera Brasil – O senhor falou também que vai buscar o pagamento das dívidas dos países que ainda têm débitos com o BNDES.

Mercadante – Isso é muito importante, porque a Venezuela chegou a ser o terceiro maior parceiro comercial do Brasil, o terceiro país que o Brasil mais tinha superávit, ou seja, o país que ele mais exportava e menos importava; a Venezuela é um grande produtor de petróleo e com isso tinha muita receita quando o preço do petróleo era alto e o Brasil começou a exportar serviço para lá. Com toda a crise da Venezuela e também com as agressões diplomáticas feitas pelo Brasil, eles suspenderam o pagamento. Mas tenho certeza que com diálogo eles retomarão o pagamento ao Brasil.

Nós vamos atrás desses países, a nossa prioridade não será financiar serviço no exterior. O Brasil hoje precisa concentrar o investimento e financiamento aqui, mas essa é uma possibilidade que todas as nações têm e que, eventualmente, se tiver um bom projeto, podemos avaliar.

Esfera Brasil – O BNDES irá privilegiar mais setores da indústria ou voltará àquela política antiga de apoiar mais grandes empresas?

Mercadante – Nós temos que olhar setores estratégicos. Por exemplo, a agricultura brasileira é muito competitiva. Estamos exportando este ano US$ 160 bilhões e é isso que tem gerado as reservas do Brasil que foram fundamentais para estabilização econômica do país; no entanto, nós estamos importando US$ 53 bilhões de insumos para agricultura, fertilizantes, sementes, biodefensivos. E nós exportamos a soja, mas não exportamos farelo de soja, óleo de soja, não processamos os alimentos, então a industrialização do entorno da agricultura vai ser uma prioridade, porque o Brasil é muito competitivo e nós podemos ajudar e avançar nesta direção.

Para dar um exemplo: a parte de  energia solar fotovoltaica é um grande potencial. O BNDES já fez investimentos em energia eólica. O Brasil hoje substituiu importações, produz aerogeradores, tem total autonomia nesse setor, mas não fez o mesmo com a energia fotovoltaica.

Tudo que diz respeito à economia verde, à sustentabilidade, à descarbonização da economia, à tecnologia disruptiva, o BNDES pode ter mais ousadia porque é um banco de desenvolvimento, é para isso que ele existe. E aquilo que está estruturado no mercado, o mercado resolve. Nós vamos complementar e melhorar a qualidade do financiamento.

Esfera Brasil – E qual será a política em relação a concessões? Haverá mais envolvimento do setor privado?

Mercadante – As concessões são um patrimônio público administrado pelo setor privado. Toda estrada que o Estado pode transferir para a administração privada, é melhor você ter que pagar um pedágio baixo, um pedágio que seja eficiente e que a empresa faça os investimentos para dar mais segurança, melhorar a qualidade das estradas, do que deixar do jeito que estão. Por exemplo, o DNIT [Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes], que é o órgão que cuida de quase 70.000 Km de estrada do governo federal, tem o menor orçamento desde que foi criado, não tem recurso para manutenção. Cai ponte, tem buraco na estrada e o Estado não tem condições para consertar.

A concessão é um modelo exitoso e bem-vindo, e o BNDES pode ajudar a desenhar projetos e, inclusive, inovar na forma de financiamento. Por exemplo, em vez de você exigir a garantia da empresa, você tem como garantia o próprio pedágio. Então está garantido o pagamento do financiamento. Com essas soluções criativas, nós podemos dar mais liquidez, mais recursos de capital de giro e mais investimento para o Brasil voltar a crescer e gerar emprego.

Esfera Brasil – O senhor apresentou aqui no encontro novos diretores e tem uma grande participação de mulheres. É uma nova fase do BNDES?

Mercadante – Temos quatro profissionais que vieram do mercado [financeiro] e três mulheres na diretoria. Temos a ex-ministra Tereza Campello, que tem uma larga experiência, é professora de uma cátedra especial na USP nessa área de combate à fome, de políticas sociais; a Luciana Costa, que é de um banco francês [o Natixis], que é o segundo maior conglomerado financeiro da Europa, com dois trilhões de euros — é o banco líder no mundo em economia verde, com balanço mais verde, mais eficiente na questão da redução do gás de efeito estufa, na descarbonização; e a Natália Dias tem 30 anos de sistema financeiro, muita experiência; era do Standard Bank Group, principal banco da África do Sul e da África, e tem muita experiência em estruturação no mercado de capitais.

Outro diretor será o Nelson Barbosa, ex-ministro do Planejamento, que também tem experiência na Fazenda e é um quadro exitoso. Temos também o Alexandre Abreu, que foi presidente do Banco do Brasil e também tem experiência em bancos privados, vivência de um banco grande e estruturado, o que ajuda na gestão do BNDES.

Também estará conosco o José Luis Gordon, que é o presidente atual da Embrapii [Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial], que é a Embrapa da indústria, toda focada em inovação. É uma instituição que eu criei quando estava no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. E, para concluir, o Luiz Navarro, que foi da Controladoria Geral da União, é membro da Academia Internacional de Combate à Corrupção, reconhecida pela ONU, e é um exemplo nessa área de compliance, talvez o quadro mais destacado que nós temos no Brasil.

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