Destino: São Paulo

Planos de Tarcísio para o governo paulista remontam à sua origem

Por Nina Gattis

Apesar de sua postura altiva e personalidade exigente, heranças do período em que esteve no Exército, o governador Tarcísio Gomes de Freitas, eleito para gerir São Paulo de 2023 a 2026, é um homem bastante discreto. Se não fossem os flashes e acenos que agora o acompanham por estar no centro de algumas atenções, pareceria um sujeito trivial. Mas o destino trabalhou para que não fosse bem assim. 

Mais perto de fazer cinquenta anos do que esteve um dia próximo dos quarenta, Tarcísio não poderia imaginar — a pelo menos uma década atrás — que chegaria ao cargo mais alto do Poder Executivo do Estado de São Paulo. Nascido na cidade do Rio de Janeiro, ele acabou indo para outra região do Brasil quando tinha pouco mais de dois anos de idade: Brasília. Na época, seu pai, Amaury, funcionário do Banco do Brasil, foi transferido para a sede da empresa no Distrito Federal. Suas lembranças da infância, portanto, têm como pano de fundo a capital do País.

Para o pai e para toda a família, que também é composta pela mãe, Maria Alice, e pelo irmão, Leandro, a mudança representou um salto enorme. De origem humilde, Amaury morou em comunidades cariocas e só concluiu o Segundo Grau — hoje chamado de Ensino Médio — muito depois do tempo considerado regular, porque precisou abandonar os estudos para trabalhar. Ainda assim, batalhou para conseguir uma vaga dentro do Banco do Brasil, instituição que permitiu que ele se desenvolvesse profissionalmente e desse melhores condições de vida aos filhos e à esposa. Era autodidata e tinha aptidão para aprender idiomas, facilitando seu contato com Maria Alice. Embora falante da língua portuguesa, ela nasceu em Portugal, o que prevê importantes variações de dialeto. 

Então, sob a influência de diferentes sotaques, Tarcísio cresceu cercado pelo abraço de pais amorosos. Maria Alice, também de origem humilde, é até hoje uma mulher muito religiosa e manda, diariamente, mensagens com orações ao governador. O pai infelizmente faleceu em 2009, após complicações de saúde decorrentes de um atropelamento, mas marcou e marcará a vida de Tarcísio para sempre. Foi ele quem ensinou o governador a construir carrinhos de rolimã; também foi a pessoa que o incentivou a entrar no Exército e a conversar sobre política e economia. Um paizão para o que desse e viesse.

A ideia de fazer parte do Exército de fato cresceu e tomou forma à medida que Tarcísio amadurecia. Quando estava no segundo ano do Ensino Médio, ele já tinha certeza de que gostaria de fazer carreira nas Forças Armadas. À época, estudava no colégio militar, para o qual entrou depois de fazer cursinho, visto que era filho de um civil, o que tornava as vagas para ele mais limitadas. No terceiro ano, aos dezesseis anos, mudou-se para a Escola Preparatória de Cadetes, em Campinas, onde terminou o Ensino Médio. Em seguida, já aprovado, voltou para o Rio de Janeiro, especificamente para a Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), em Resende.

Durante o tempo em que esteve na Aman, percebeu que tinha aptidão para ser engenheiro. Sua única chance, sem abdicar do Exército, era ingressar no Instituto Militar de Engenharia (IME) no segundo ano do Ensino Superior, quando fosse Segundo Tenente — e deu certo.

Não só deu certo, como alçou Tarcísio a lugares importantes. Até hoje, o governador carrega a honraria de ter obtido a maior média histórica do curso no IME. Como, portanto, foi o melhor aluno de sua turma, pôde escolher onde queria trabalhar quando concluiu a formação. Optou por servir na Amazônia, onde residiu por seis anos, tocando obras e projetos de cooperação do Exército com os governos federal, estaduais e municipais. Participou da construção de pontes, viadutos, estradas, aeroportos etc., em lugares que, em geral, exigiam uma logística complexa. 

Esse momento já indicava uma aproximação de Tarcísio à vida pública. Entretanto, foi só após fazer mestrado em Engenharia de Transportes, também no IME, que ele decidiu sair do Exército e prestar concurso para a Controladoria Geral da União (CGU), de olho em um salário mais atrativo. Já retornou à Brasília como auditor da CGU, para trabalhar no combate à corrupção. Tornou-se servidor de carreira e era responsável por auditar obras públicas, averiguar superfaturamento e apontar desvios. 

Depois foi convidado a assumir o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), autarquia vinculada ao Ministério da Infraestrutura, como uma espécie de interventor. Quando saiu do DNIT, foi chamado para ser secretário do Programa de Parcerias e Investimentos (PPI) na gestão de Michel Temer, quando estruturou concessões do governo federal. Tudo caminhou para que, em novembro de 2018, Tarcísio fosse nomeado ministro da Infraestrutura pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, cargo que ocupou até março de 2022, antes de começar a pré-campanha ao governo de São Paulo. Por tudo, considera-se um homem de sorte, já que não planejou nada do que aconteceu após a CGU. 

Mas não é só o trabalho que o faz se sentir assim. Para ele, Cristiane, sua esposa, é também uma grande sorte. Tarcísio e Cris, como ele a chama, estão juntos desde 1997, quando se conheceram em Natal, cidade em que ele serviu como Segundo Tenente do Exército. A partir de então, Cris viajou com Tarcísio para onde quer que ele fosse à serviço das Forças Armadas. Eles estiveram, por exemplo, em todos os estados da Amazônia, bem como no interior do Nordeste e no Haiti, onde ele participou, em 2005, da missão promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU) a fim de estabilizar o país depois de um golpe de Estado — para ele, uma das situações mais delicadas que compartilharam nos 25 anos que somam juntos. 

Cris também não saiu do lado de Tarcísio quando ele desenvolveu câncer em um dos testículos. O governador crê que, por meio do apoio de sua esposa e das orações de sua mãe, teve êxito no tratamento médico e foi curado. Não à toa, não é incomum que seus olhos encham de lágrimas ao citá-las. Imediatamente, a postura altiva do militar dá lugar ao rosto emocionado e cheio de gratidão do marido e filho dedicado.

De seu casamento com Cris, Matheus e Letícia são frutos — e também duas fontes de emoção para Tarcísio. Ao falar sobre os filhos, o governador preenche a voz com orgulho. Ainda que seu cargo e a agenda cheia tenham feito dele um pai menos presente do que gostaria nos últimos anos, Tarcísio faz questão de contar tudo aos filhos. Qualquer passo profissional foi antes compartilhado e acordado entre eles. Para a felicidade de Tarcísio, nunca lhes faltou compreensão. Como retribuição, o pai-governador tenta aproveitar ao máximo os momentos com os filhos, fazendo, inclusive, coisas que podem parecer cotidianas àqueles que não têm uma vida pública: assistir a filmes e jogos de futebol e almoçar com a família. Apesar das diferenças de contexto, ele quer ser para Matheus e Letícia o que Amaury foi para o pequeno Tarcísio. 

É parecida com uma relação de pai e filho o que Tarcísio, agora governador de São Paulo, quer ter com o Estado. Talvez um pai um pouco mais severo do que é para Matheus e Letícia — até porque, São Paulo é um filho bem menos disciplinado —, mas, não obstante, uma figura de liderança compreensiva e aberta ao diálogo. Promessas políticas à parte, Tarcísio parece se lembrar de sua origem humilde quando faz planos para o governo. Mesmo muito aberto ao empreendedor e à iniciativa privada, mira o crescimento com vistas a atingir o resgate social. Essa é a pauta que o sensibiliza.

Ele diz que seu objetivo final é fazer a diferença. Em um Estado grande como São Paulo, que é a locomotiva econômica do País,fazer a diferença” não é fácil. Muitos tentaram e não conseguiram, e houve até quem fizesse a diferença para pior e deixasse cicatrizes profundas. Ao menos, Tarcísio chega com a premissa de criar pontes: com os Poderes, com o governo federal, com outros estados, com a população. Não é para menos; foram essas as pontes que o levaram para onde hoje está.

Ainda é cedo para tirar conclusões, mas Tarcísio já pôs em prática, com atitudes iniciais, o diálogo e o resgate social. Por ora, mesmo sendo ex-ministro de Bolsonaro, não se omitiu de encontro com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Além disso, retornou com a gratuidade do transporte público de São Paulo para idosos a partir de sessenta anos. Há quem diga que o sentido de urgência das pessoas à sua volta mexe com ele — e parece que é verdade. 

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