- Política
- 26.12.2024
- Redação
A saga do trabalhador
niciado por vereador do Rio e transformado em PEC, movimento pelo fim da jornada 6×1 toma força da esquerda à direita
Por Carlos Tautz
Um rastilho de pólvora política vem incendiando o Congresso Nacional e angariando inesperados e numerosos apoios. Já tem quase 240 assinaturas, bem acima das 171 necessárias para a apresentação formal à Casa, e se configura como a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) mais radical em favor dos trabalhadores desde a promulgação da Constituição Cidadã, em 1988. Trata-se da redução da jornada de trabalho, que está embutida na PEC apresentada pela deputada federal Erika Hilton em 1º de maio de 2024, no Dia do Trabalhador. A PEC propõe alterar a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e, na prática, acabar com a escala de seis dias de trabalho por um de descanso, que afeta dezenas de milhões de trabalhadores.
A proposta surpreendentemente conseguiu adeptos entre parlamentares de um amplo leque ideológico que costumam discordar em praticamente tudo. Com um quórum que vai desde a esquerda light até a extrema-direita neoliberal, a PEC consolidou um inesperado traço de união que visa beneficiar dezenas de milhões de trabalhadores, inclusive aqueles “uberizados”, entregadores de qualquer coisa e demais precarizados, para quem uma jornada de trabalho decente e direitos trabalhistas urgentes hoje não passam de uma quimera.
Ao jornal Diário do Nordeste, Hilton informou no final de novembro que “a discussão sobre o fim da escala de trabalho 6×1 vai ficar para o ano que vem. O debate da Câmara vai ser atropelado, agora, pela pauta orçamentária, fim de ano, recessos. No próximo ano, deve ser indicado um relator e, a partir do relator indicado, a gente vai, então, aperfeiçoando o texto para conseguir enxugar e ajustar elementos essenciais para deixar redonda a redação final e não ter nenhum tipo de impacto negativo”.
O que chama atenção é o apoio inflamado dos liberais a uma PEC que se inspira em momentos ícones da história da esquerda mundial. A Comuna de Paris e a Revolução Industrial — que se iniciou na segunda metade do século 18 na Inglaterra — também propunham, entre muitas outras demandas, a diminuição do número de horas semanais dedicadas ao trabalho.
Hilton encampou e ampliou em níveis nacionais a proposta feita no ano passado pelo Movimento Vida Além do Trabalho (VAT). O VAT é liderado pelo ex-balconista de farmácia Rick Azevedo, eleito vereador pelo Rio de Janeiro em outubro passado — com seus 29.364 votos, foi o mais sufragado do Partido Socialismo e Liberdade, o Psol. Ele toma posse na Câmara Municipal carioca em 1º de janeiro de 2025.
“O fim da escala 6×1 é só o começo. Essa proposta é urgente porque combate diretamente uma rotina de exploração que tem adoecido os trabalhadores. A PEC, que construímos em conjunto [com a deputada Erika Hilton], já tem ampla adesão e demonstra que o Brasil está pronto para discutir jornadas mais justas”, conta Azevedo. Em 13 de setembro de 2023, ele criou um abaixo-assinado na internet que, em 6 de dezembro daquele ano, já tinha praticamente três milhões de assinaturas.
Imediatamente, a proposta foi atacada pelos opositores com o argumento de que, se aprovada, a PEC produziria diminuição de postos de trabalho. “Essa é uma filosofia do medo que sempre tentam impor em qualquer luta da classe trabalhadora. Foi assim no passado e é assim agora. Seja com as férias, décimo terceiro, até mesmo no fim da escravidão. O que buscamos aqui é dignidade para quem constrói a economia com o próprio suor. A escala 6×1 não só explora, ela mata — seja pelo cansaço extremo, seja pelo burnout que consome a saúde mental e física do trabalhador. Quando garantimos condições dignas, não só melhoramos a qualidade de vida do trabalhador, mas fortalecemos a própria economia, porque as duas coisas estão interligadas. A economia não existe sem a classe trabalhadora, e valorizar quem a sustenta é um investimento, não uma ameaça”, afirma Azevedo.
Na atual jornada máxima de trabalho permitida pela Constituição, que é de 44 horas semanais, os trabalhadores têm pouco tempo para as questões da vida pessoal, como conviver com a família e desenvolver afetos. Nesse sentido, o VAT propõe que se tenha mais tempo para viver. “Esse trabalho extenuante produz pouco sentido subjetivo para as pessoas. E sem uma remuneração que possa fazer com que as pessoas tenham lazer”, avalia Marta Bergamin, coordenadora da Pós-Graduação em Sociologia da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP). “A mudança seria extremamente interessante para o País”, acrescenta.
Azevedo explica que o modelo atual normaliza jornadas exaustivas e desumanas. “Recebemos relatos de pessoas que trabalham até 14 dias seguidos para folgar apenas um. E isso é só um exemplo extremo do quanto o sistema atual explora e adoece quem constrói a economia”, relata o vereador recém-eleito. “O que estamos propondo é um modelo que garanta dignidade ao trabalhador. A ideia central é a jornada de 36 horas semanais, com possibilidade de adoção da escala 4×3. Mas é importante deixar claro que nada será feito de forma irresponsável ou sem estudo. Todo o processo será conduzido com base em dados concretos, ouvindo especialistas e, principalmente, os próprios trabalhadores, que são quem vive essa realidade no dia a dia.”
Para Bergamin, apesar do intuito de que haja a opção da escala 4×3, é mais provável que seja conquistada apenas a jornada 5×2 como carga máxima semanal. “Me parece bastante importante essa redução, principalmente aos trabalhadores do comércio e serviços, que trabalham 6×1, estão extremamente cansados e ganham pouco. No Brasil, há uma desigualdade que está representada no trabalho. A renda do trabalho é baixa no País. Os trabalhadores deram muita coisa na reforma trabalhista de 2017, e os empresários têm ficado com os lucros”, analisa Marta Bergamin.
Para 2025
Embora as assinaturas para que a PEC avance no Congresso tenham ganhado força, a tramitação da matéria deve ficar para a próxima legislatura.
A deputada Erika Hilton informou que, por ora, está focada no recolhimento das assinaturas e não tem um cronograma definido. O texto, uma vez protocolado, deve ser apensado a uma PEC semelhante de autoria do deputado Reginaldo Lopes que aguarda a designação do relator na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara.