Inflação indomável

Mesmo com juros altos, Brasil não consegue se desvencilhar de problema histórico

Por Luís Filipe Pereira

Apesar das taxas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) acima do projetado por analistas nos últimos anos, a política econômica brasileira vive um cenário de incertezas, alimentado principalmente pela dificuldade de manter a inflação dentro da meta, mesmo com a Selic, a taxa básica de juros, em patamar considerado elevado nos últimos meses.

Em meio ao aperto monetário, a gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem lançado iniciativas como o Crédito do Trabalhador, programa que oferece empréstimos tendo como garantia o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Segundo especialistas, esse movimento tende a estimular a demanda e, como consequência, pode resultar diretamente em uma eventual alta nos preços de bens e serviços.

Na visão da economista Elena Landau, o governo erra ao tentar aplicar um modelo desenvolvimentista que deu errado no passado, pautado pela elevação dos gastos públicos, e que pode levar ao descontrole da dívida pública. Somado a isso, a utilização de mecanismos para contornar o limite de gastos, juntamente com a falta de uma agenda de reformas voltadas principalmente para a Previdência Social e privatizações, pode fazer com que agentes financeiros avaliem com desconfiança a política fiscal do governo.

“Não dá para ter tudo. Você quer dar aumento de salário mínimo real, sem ter problema de Previdência, e manter a idade mínima de aposentadoria baixa, com o envelhecimento da população? Não estão contando que os esforços sobre gastos públicos só vão aumentar no futuro”, reforça a economista.

No fim de 2022, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição autorizou gastos de R$ 145 bilhões para bancar despesas com políticas públicas e programas sociais. Meses antes, o Congresso Nacional havia promulgado outra medida, com o aumento do Auxílio Brasil para R$ 600, além de ajuda para caminhoneiros e taxistas.

“Passaram a desmoralizar o tripé [macroeconômico] muito mais recentemente. Eu acho que não adianta falar só do governo Lula. Tem a desmontagem do teto pelo ano eleitoral, do Bolsonaro, pelo próprio ministro Paulo Guedes, que deu uma sensação de que estava tudo organizado”, avalia.

Regra de gastos

Logo no início do mandato, passada a PEC da Transição, o governo Lula aprovou no Congresso Nacional uma nova regra fiscal, que condiciona o aumento das despesas públicas ao crescimento da receita e também ao cumprimento de metas de resultado primário, com bandas de tolerância de 0,25% para mais ou para menos. Caso contrário, estão previstas medidas como a suspensão de concessão de benefícios acima da inflação e a proibição da criação de novos cargos públicos.

A nova regra de gastos foi elogiada por especialistas no começo, já que impõe na prática algum controle sobre os gastos da União. Em 2024, o governo conseguiu entregar um resultado dentro do estabelecido pela meta fiscal, com déficit de 0,1%, mas isso não foi suficiente para aplacar críticas. Internamente, integrantes do primeiro escalão de Lula, como a ministra Simone Tebet, do Planejamento e Orçamento, admitem a necessidade de rever a regra fiscal a partir de 2027.

“Ainda que o ministro Fernando Haddad fique orgulhoso de ter ficado dentro da meta do arcabouço fiscal, existe um problema de dívida. As expectativas ficam desancoradas não por causa do resultado primário, mas por causa da dívida. O Lula usou muitos instrumentos parafiscais, e o País perdeu a credibilidade dos números primários”, avalia Elena Landau.

De acordo com cálculos da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão do Senado Federal que analisa as contas públicas do Brasil, para estabilizar a dívida pública no patamar atual, seria preciso um superávit primário de 2,4% do PIB.

Sinais trocados 

Considerado como principal instrumento de política monetária para controlar a inflação, a elevação da Selic pelo Comitê de Política Monetária (Copom) não tem sido suficiente para conter a elevação dos preços ao consumidor. Em 2024, a inflação acumulada em 12 meses foi de 4,83% e estourou o patamar de 4,5%, considerado o teto da meta. Nesse cenário, uma das dificuldades está nos sinais trocados entre as diretrizes de política monetária do Banco Central (BC) e as prioridades do governo na agenda econômica. 

Segundo o professor de Economia e Finanças Eduardo Menicucci, da Fundação Dom Cabral, dos 335 itens que compõem o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (IPCA), 20 representam 50% do peso da inflação. Seis deles são mais suscetíveis à atuação estatal: gasolina, plano de saúde individual, energia elétrica residencial, taxa de água e esgoto, gás de botijão e tarifa de ônibus.

“A economia é movida pelo efeito de anabolizantes. O crédito é um anabolizante que estimula. Se em um momento desse eu estimulo, eu não vou conseguir controlar a inflação”, explica Menicucci. “O Banco Central está quase sem instrumento. Se o governo pisa no acelerador enquanto o BC pisa no freio, fica difícil. O BC tem obrigação de olhar para a inflação”, complementa Landau.

Tripé macroeconômico

Como forma de viabilizar a entrega de metas de superávit primário previstas em contrapartida de acordo firmado com o Fundo Monetário Internacional (FMI), no fim da década de 1990, o governo brasileiro estabeleceu um modelo chamado “tripé macroeconômico”, que primava pelo estabelecimento de metas fiscais para limitar os gastos; regime de câmbio flutuante, com variação do preço da moeda estadunidense de acordo com a oferta e a demanda do mercado; e, na política monetária, metas de inflação a serem perseguidas pelo BC, cujo principal instrumento é a Selic. Para Elena Landau, a falta de rigor na política econômica cedeu espaço, nos últimos anos, a um modelo que não se sustenta no longo prazo, ainda que o País tenha alcançado recentemente taxas de crescimento além do esperado.

“Quando você tem um governo que tem a relação de política monetária invertida, que a culpa é dos juros altos, que causam o problema da dívida, você acaba desmoralizando o tripé”, aponta Landau. “Lá no fundo do modelo econômico, você tem um equívoco, porque tem um problema de causalidade na cabeça dos governos do PT, que é sempre uma causalidade na qual você aumenta o gasto e impulsiona a demanda com todos os artifícios que você conseguir”, acrescenta.

Crescimento econômico

20232024
3,2%3,4%

Inflação

20232024
4,62%4,83%
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