Analistas apontam pontos positivos e negativos da atuação de Lula diante da política e da economia internacionais, além dos reflexos domésticos
Por Paulo Henrique Nobre
Desde o início de seu terceiro mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem conduzido uma intensa agenda internacional, marcada por viagens estratégicas a diversos países. Com um discurso voltado à reconstrução da imagem do Brasil no exterior e à ampliação das relações comerciais e políticas, ele busca reafirmar o protagonismo do País no cenário global.
Entre os principais compromissos diplomáticos, destacam-se a visita à China, em abril de 2023, quando o Brasil reforçou sua posição como parceiro estratégico de Pequim e assinou acordos comerciais bilionários, incluindo o avanço na transação direta entre real e yuan que reduziu a dependência do dólar nas negociações bilaterais. Nos Estados Unidos, em setembro do mesmo ano, Lula se reuniu com o então presidente Joe Biden para tratar de temas como democracia, meio ambiente e investimentos sustentáveis, garantindo recursos para o Fundo Amazônia. No cenário multilateral, sua participação na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em setembro de 2024, na cúpula do Brics (bloco agora composto de 11 países), em outubro de 2024, e no G20, em novembro de 2024, foram tentativas de consolidar a imagem do Brasil como um ator-chave na governança global e na defesa de um mundo multipolar.
Contudo, essa política externa também enfrenta desafios. A aproximação com a China gerou receio em setores que defendem uma relação mais equilibrada com os EUA, enquanto o engajamento de Lula em debates sobre a guerra na Ucrânia e o conflito em Gaza trouxe críticas sobre a efetividade da diplomacia brasileira. Além disso, internamente, a frequência das viagens é alvo de ataques da oposição, que questiona a priorização de agendas internacionais em detrimento de questões domésticas.
O Brasil está, de fato, se reposicionando como um ator relevante na geopolítica mundial? As viagens de Lula já trouxeram efeitos tangíveis para a economia e para a diplomacia brasileira? E quais são os desafios que o País ainda enfrenta para consolidar sua influência no cenário internacional?
Leonardo Paz, pesquisador do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da Fundação Getúlio Vargas (FGV NPII), avalia que a estratégia diplomática do presidente Lula tem sido, em certa medida, bem-sucedida ao recolocar o Brasil no cenário internacional como um ator relevante. Ele destaca que, embora o termo “protagonismo” seja forte diante do atual contexto global e nacional, o País tem sido capaz de manter um grau de centralidade em eventos multilaterais.
Um dos principais desafios da política externa brasileira, segundo Paz, é manter uma posição de equilíbrio entre os grandes blocos de poder, especialmente EUA e China. Ele aponta que essa estratégia não é nova e já vem sendo aplicada desde a ditadura militar. Apesar dos riscos, o Brasil consegue navegar bem nessa diplomacia de equilíbrio. “Até agora, a gente não tem nenhuma informação, nenhum indicador de que esse equilíbrio tenha de fato impactado a relação do Brasil com os organismos multilaterais”, diz.
O especialista analisa também os possíveis resultados econômicos e menciona a importância da visita à China, além de negócios já concretizados, como o investimento da BYD na fábrica de carros elétricos na Bahia, a compra de aviões Embraer pelo Japão e o desbloqueio da carne brasileira no Vietnã. “O presidente Lula tem conseguido, nas suas principais viagens, trazer acordos e organizar negócios relativamente importantes.”
Sobre as críticas às frequentes viagens presidenciais, Paz as considera naturais e acrescenta que a diplomacia ativa tem trazido benefícios ao Brasil. “À medida que presidentes conseguem atrair negócios, investimentos e colocar o Brasil como um player importante na negociação internacional, essas viagens são completamente razoáveis e, até, desejáveis.”
Ele sugere, ainda, que o Brasil deveria focar mais as negociações comerciais com Mercosul, Japão, Canadá e Coreia do Sul, para expandir relações econômicas, e reconhece as dificuldades do contexto global, mas vê espaço para avanços. “O Brasil naturalmente tem um peso desproporcional nessa negociação e poderia alavancar o comércio aqui na região”, afirma, se referindo especificamente ao Mercosul.
Reinserção
Para o cientista político e especialista em Relações Internacionais do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) Leandro Consentino, o terceiro mandato de Lula trouxe avanços na reinserção do Brasil no cenário internacional, especialmente após os governos Dilma, Temer e Bolsonaro. Segundo ele, o País retomou posição ativa em organizações internacionais e tem se contraposto a certas posturas dos EUA. No entanto, ele critica a atuação brasileira em conflitos como as guerras entre Rússia e Ucrânia e entre Israel e Hamas. “Por vezes, tentando bancar uma postura de neutralidade, [o Brasil age] com traços claramente para um dos lados. E, aí, eu acho que o Brasil se equivoca”, opina.
Consentino considera correta a estratégia de equilíbrio diplomático, porque acredita que Lula deve priorizar os interesses nacionais. “O grande problema é justamente quando esse equilíbrio não é aplicado por equânime. É um equilíbrio que pende às vezes para um lado, com um certo traço antiamericano, ou, por vezes, um traço de buscar se alinhar diretamente a certos interesses ideológicos.” De acordo com ele, organismos multilaterais, como a ONU, são mais flexíveis, mas é preciso cuidado com blocos como o Brics. “Por vezes, servem a uma determinada agenda de interesses de uma potência como a China, e a gente tem que tomar muito cuidado com esses posicionamentos”, reforça.
A respeito dos resultados econômicos das viagens presidenciais, Consentino avalia como positivo que o Brasil busque novos mercados, especialmente diante do protecionismo dos EUA, mas lembra: “O resultado disso vem no médio e longo prazos”. O cientista político considera os esforços importantes e necessários, desde que haja paciência por parte das elites políticas e econômicas brasileiras.
Já as críticas às ausências de Lula motivadas por viagens são consideradas, por Consentino, “bastante infantis, bastante vazias”. Ele explica que o presidente exerce tanto a administração interna quanto a representação internacional e que essas críticas já foram feitas por diferentes espectros políticos ao longo do tempo, para diferentes chefes de Estado. “Não é algo excludente cuidar do dia a dia interno de um país e estar por aí fazendo a função de representação internacional”, explica ao lembrar que o governo continua funcionando mesmo durante as viagens presidenciais.