Um novo modelo para agências reguladoras?
Debate sobre PEC que propõe participação da Câmara dos Deputados na fiscalização das autarquias deve ficar para 2025
Por Luís Filipe Pereira
Pensadas como ponto de equilíbrio entre prestadores de serviços, usuários e poder público, as agências reguladoras representam um marco na transformação do Estado brasileiro, que, após as desestatizações promovidas ao final da década de 1990, principalmente nos setores de telecomunicações e energia elétrica, passou a se dedicar a manter a regulação do mercado, prezando o cumprimento das normas vigentes pelas empresas concessionárias.
Nos últimos meses, Congresso Nacional e Planalto têm apresentado alternativas de como aperfeiçoar a estrutura dessas autarquias, cujo modelo de gestão passou a ser questionado principalmente após os temporais ocorridos em São Paulo no mês de outubro, que afetaram mais de três milhões de pessoas e deixaram grande parte da Região Metropolitana da capital paulista sem luz.
“Dois anos atrás nós tivemos a primeira crise de apagão em São Paulo, e o País se levantou contra essa questão. Dois anos depois tivemos repetidamente outro problema de crise, de apagão, e houve de novo um levante nacional com relação ao questionamento do papel das agências”, lembrou o deputado federal Danilo Forte, do Ceará, durante audiência pública na Comissão de Desenvolvimento Econômico (CDE) da Câmara dos Deputados sobre o tema, que contou com a participação de dirigentes das autarquias.
Forte é autor de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), protocolada após assinatura de 208 deputados, que tem como objetivo aumentar o controle do Legislativo sobre as agências reguladoras, a fim de preservar o direito dos consumidores a serviços como transporte, saneamento e medicamentos, que também são regulados pelas agências. Na prática, a sugestão é inserir, no artigo 51, que trata da competência da Câmara dos Deputados, o inciso VI, que conferiria a atribuição de “acompanhar e fiscalizar, por meio de suas comissões, as atividades e atos normativos das agências reguladoras, podendo assinar prazo para a adoção de providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sendo eventuais condutas ilícitas dolosas por ação ou omissão encaminhadas ao Ministério Público, à Advocacia-Geral da União e ao Tribunal de Contas da União, para que promovam, conforme suas competências, a responsabilidade administrativa, civil ou criminal dos infratores”.
Na justificativa protocolada com o texto da proposta, o parlamentar alega que o objetivo é equilibrar a atuação do Congresso Nacional em relação às agências reguladoras, já que, atualmente, apenas o Senado Federal tem alguma competência ao aprovar o nome dos dirigentes das autarquias. Nesse contexto, a Câmara dos Deputados passaria a fiscalizar os atos normativos das entidades reguladoras, o que não caracterizaria uma sobreposição à competência técnica do conjunto de servidores das agências.
“Nós não estamos criando nada novo. Estamos tentando aperfeiçoar a relação que o Congresso Nacional precisa ter com as agências. Esse é o nosso papel constitucional: defender o conjunto da sociedade, as famílias brasileiras e, ao mesmo tempo, cobrar dos entes públicos, sejam eles ligados ao Poder Executivo ou autônomos, mas também com obrigação de zelar pelo bem da coletividade”, continuou Forte na ocasião da audiência na CDE. A tendência é que o debate avance no Legislativo em 2025.
Dotação orçamentária
Para exercer o trabalho, as agências contam com autonomia administrativa, financeira e patrimonial. Na esteira das críticas de integrantes do governo às respostas dadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) após o apagão, a Controladoria Geral da União (CGU) abriu um processo para investigar possíveis falhas da agência reguladora no processo de fiscalização. A apuração dos fatos segue de forma sigilosa.
Dirigentes alegam que as dificuldades para a realização do trabalho vêm principalmente da escassez de recursos e de pessoal. O diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica, Sandoval Feitosa, disse, durante entrevista coletiva, que a autarquia arrecada aproximadamente R$ 1,4 bilhão em taxas de fiscalização anualmente. Desse total, apenas R$ 380 milhões são destinados a gastos obrigatórios e discricionários da própria agência, que podem ser utilizados no cumprimento das obrigações administrativas e operacionais. Esse volume de recursos, no entanto, fica suscetível a eventuais cortes feitos pela equipe econômica para cumprir a meta fiscal, como já ocorreu neste ano. Ainda segundo Feitosa, a agência sofre com falta de pessoal e conta com apenas nove servidores para monitorar as obrigações das concessionárias de energia em todo o País.
Atualmente, há 11 agências reguladoras em funcionamento no Brasil. São elas: Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP); Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel); Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa); Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS); Agência Nacional de Águas (ANA); Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq); Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT); Agência Nacional do Cinema (Ancine); Agência Nacional de Aviação Civil (Anac); e Agência Nacional de Mineração (ANM).
Segundo a Lei nº 13.848/2019, o diretor-geral e os diretores serão nomeados pelo presidente da República para cumprir mandatos não coincidentes de cinco anos, vedada a recondução. No quebra-cabeças da articulação política — e vislumbrando maior receptividade dos parlamentares ao pacote de corte gastos proposto pela equipe econômica recentemente —, o Planalto enviou ao Senado, neste fim de ano, um pacote com 18 indicações de diretores para o corpo diretivo de agências como ANTT, Anvisa, Antaq e ANS.
No caso ANP, responsável por regular 120 mil agentes em todo o País na área de energia, o total de receitas previstas para o ano está na casa de R$ 1,4 bilhão, com R$ 449 milhões destinados ao pagamento de despesas. Assim como a Aneel e ANM, a ANP desempenha atividades que guardam relação com a área de atuação do Ministério de Minas e Energia, cuja titularidade neste terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva está a cargo de Alexandre Silveira.
“Para ficarmos somente no ano de 2024, a LOA [Lei Orçamentária Anual], inclusive com todo o pagamento de pessoal, destina cerca de um quarto daquilo que é a totalidade das receitas que têm previsão em lei de serem usadas para o financiamento do funcionamento da ANP”, argumentou o diretor-geral da ANP, Rodolfo Saboia, cujo mandato se extingue ao final deste ano, durante aquela mesma audiência na CDE da Câmara. “Corrigido pelo IPCA, o orçamento da ANP em 2024 foi 18% do seu orçamento em 2013”, acrescentou.
*OLHOS*
1,4 bilhão de reais é a arrecadação anual da Aneel em taxas de fiscalização
ANP tem R$ 449 milhões destinado ao pagamento de despesas