• 03.02.2022
  • Redação

“Esse começo foi ótimo: o dólar caindo, a bolsa subindo. O Brasil ficou muito barato”, afirmou o empresário João Carlos Camargo, em entrevista a Oeste

 

O que Abílio Diniz (Península), Lírio Parisotto (Videolar), Rubens Ometto (Cosan), André Esteves (BTG Pactual), Luiz Carlos Trabuco (Bradesco), Candido Pinheiro (Hapvida), Jorge Moll (Rede Dor), Carlos Sanchez (EMS), Fábio Ermírio de Moraes (Votorantim) e Claudio Lottenberg (Albert Einstein) têm em comum? Todos são líderes de grandes empresas brasileiras de variados setores que pagam mensalmente uma taxa para fazer parte do grupo Esfera. Criado em 2021, a entidade quer promover o diálogo do setor produtivo — ou seja, quem paga imposto e gera emprego — com o governo federal e o Congresso Nacional. Faz barulho ao trazer para almoços e jantares as maiores lideranças do Executivo, como o presidente Jair Bolsonaro e o ministro Paulo Guedes, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, e o do Senado, Rodrigo Pacheco, além do ex-presidente Michel Temer. Na próxima semana, a agenda de encontros envolve Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, e Tarcísio Gomes de Freitas, ministro da Infraestrutura.

A mente por trás do Esfera é o empresário João Carlos Camargo, da 89 Investimentos. Ele já tem em sua base 50 nomes estelares do empresariado brasileiro, entre eles os citados acima. Em sua primeira entrevista sobre o grupo, Camargo recebeu Oeste em seu escritório na Vila Olímpia, em São Paulo, para falar dos planos do Esfera para 2022. 

João Carlos Camargo | Foto: Divulgação

Qual é a maior demanda do empresário brasileiro hoje?
Ele quer o Estado enxuto, menor. Quer que o Estado faça a parte social, cuide do pobre, pague o Bolsa Família, cuide da educação, mas que intervenha pouco na economia. Essa é a demanda que a gente mais sente. Desde que começamos, nenhum empresário nos chamou e pediu para mudar a lei para um setor ou diminuir o imposto. O que deixa a gente estimulado é que todo mundo está a fim de melhorar o Brasil. Pega o André Esteves. O cara me fala das empresas de site da China. Ele não é o dono de uma varejista tipo o Magalu para ficar preocupado com isso, mas fica. Estamos sendo superestimulados com o interesse deles. E quero chamar atenção à dedicação que o Abílio Diniz tem pelo Brasil. O cara chama a gente na Península e fica três horas debatendo o país. 

Como começou a ideia do Esfera?
Depois que vieram redes como Facebook, Instagram, LinkedIn, o relacionamento B2B virou piada, porque antigamente precisava conhecer alguém para chegar a outro alguém, não tinha contato. A gente achou que precisava fazer alguma coisa envolvendo relações governamentais. Tem outro aspecto: todo mundo acha que o Brasil é uma merda, que não vai dar certo, que o brasileiro só pensa no bolso dele. Criamos um conceito para pensar na pátria. A pátria é como se fosse um filho seu. Se você não cuidar, ele vai se desvairar. Senti que os empresários estavam se distanciando do Poder Executivo e Legislativo de uma maneira muito grande. Quando veio a Lava Jato, rompeu o cordão. Parou o diálogo, e há uma falha nisso. Vamos resgatar esse diálogo. Não é lobby. Lobby no Brasil é pernóstico. A gente não quer fazer, e nem saberia fazer. Estamos tentando restabelecer o diálogo.

Como?
Para este ano, vamos trazer grandes cérebros e elaborar a Carta de Princípios do Esfera. Não é plano de governo. Queremos apontar os cinco ou seis nós de gargalo que atrapalham o crescimento do país. Deve ficar pronto em junho e vamos entregar a Carta para os cinco mais bem colocados entre os candidatos à Presidência. Quem vai organizar os princípios são os associados e até oito economistas contratados — dois já foram contratados. E não é só apontar o nó de crescimento, mas como supri-los, onde tem a fonte de dinheiro. Não adianta falar: “Precisa construir uma matriz energética melhor”. Vai tirar o dinheiro da onde? Como vai fazer? Quantos anos precisa? Vamos fazer o trabalho de A a Z, apontar se precisa de PPI, concessões, quais leis precisam mudar ou que impedem esse gargalo.

Mas para mudar a lei ou aprovar mudanças é preciso do Congresso Nacional.
Sim, e a gente trabalha muito com o Congresso. Inclusive, se você pegar os integrantes fortes do Esfera, de grande poder econômico, eles querem mais que a gente desenvolva o diálogo com o Legislativo do que com o Executivo, porque eles sabem que quem vai fazer as reformas estruturais é o Congresso. Como o Brasil é muito imediatista, o empresário que pensa pouco quer falar no Executivo, mas o empresário que pensa grande e a longo prazo quer falar no Legislativo, porque sabe que lá é que vai mudar e transformar o Brasil em 30, 40 anos. 

Quais são os planos do grupo em 2022, ano de eleições presidenciais?
Ano passado foi bem animado, e este ano vai ser bem mais. Queremos fazer mais de cem encontros. No primeiro semestre, a ideia é pegar os quatro ou cinco candidatos mais bem colocados nas pesquisas e conversar com o chefe de programa de governo e a equipe econômica, o líder de implementação das diretrizes econômicas. No segundo semestre, queremos chamar os candidatos e fazer uma outra rodada de conversas. Nossa inspiração foi uma coisa que se chama round table, nos Estados Unidos, um encontro levado a sério entre as 185 maiores empresas norte-americanas, com nomes como Jeff Bezos e Bill Gates na presidência desses encontros. Tanto a elite alemã quanto a americana ditam as diretrizes do país. Por quê? Porque ela é boa para o país. Não é uma coisa de proveito próprio ou proveito setorial. Elite é um termo pernóstico no Brasil. Nos Estados Unidos e na Europa, é uma coisa bacana: a elite pensante, que pensa o país daqui a 30 anos. No Brasil, quando você fala de associação brasileira dos tecidos, ou do comércio, ou do varejo, todas as entidades puxam muito as benesses do setor. Nunca foi esse o objetivo do Esfera. Eu misturo banqueiro, comerciante, químico, farmacêutico, varejo em geral, para olhar o Brasil como um todo, pensando nas benesses do país — e não apenas em um setor. Esses formadores de opinião que fazem parte do Esfera são quem paga imposto, gera renda e empregos. 

Como tem sido a relação com o atual governo?
Muito boa. Tenho ido muito a Brasília para fazer contato nos ministérios. É duro, você tem de preparar, conversar, vender o peixe. Fiz um encontro recente com dois ministros, o da Saúde e o da Justiça. E tenho uma tática: a secretária do Queiroga diz que tem vaga no dia 15. Tá bom. Chega o Anderson e diz que também tem vaga dia 15. Ligo para o Queiroga e falo que o Anderson Torres quer assistir. E assim fizemos. Nós temos a certeza de que o presidente da República e os ministros são funcionários públicos, como um diretor de uma agência, de uma Anatel ou Enel. Eles são pagos com nosso dinheiro e nós chamamos eles para dialogar. Como funciona nos eventos? Deixo a palavra por no máximo 20 minutos para o convidado dizer o que ele vem fazendo e depois roda, como se fosse uma round table. Todos os presentes fazem uma colocação ou uma pergunta. Isso é muito frutífero, porque tem muito insight. Tem gente do governo que inclusive me ligou para participar. 

Quem?
Me ligou um número de Brasília, dias atrás. Atendi, porque deveria ser de algum contato que fiz em um ministério. O cara diz que era o chefe do gabinete do diretor-geral da Polícia Federal. Achei inicialmente que era trote. Parei o carro. Não fiz nada errado, mas você começa a imaginar coisas quando fala em Polícia Federal. “O Paulo Maiurino quer falar com o senhor”. Vi que o negócio era verdade, mas sem eu nunca ter falado com ele. Paulo então atende e me pede para contar seus feitos ao grupo. “A imprensa não me dá nota e eu estou fazendo uma gestão onde eu recuperei muito mais dinheiro do que a Lava Jato. Pode marcar?”. Marquei e fizemos. Ele é uma figura.  

O grupo tem um candidato?
Não. Somos um grupo suprapartidário. Não temos candidato. Inclusive, temos um compliance pesado para não favorecer ninguém. Fizemos com o Temer e é irritante quanto ele é bom. Recebi o João Doria em minha casa. Até achava que ele não vinha por causa do Lide. Recebia muito recadinho malcriado de que o Esfera quer ser o Lide. Para mim, é péssima essa comparação, que eu quero tomar o lugar do Lide. O Lide tem 15 mil associados. A gente tem 50, e está bom, tá bom.

Quem da esquerda o senhor já convidou?
Nós todos somos liberais, capitalistas. Até que convidei o Guilherme Boulos em minha casa com associados para conversar. O Boulos chegou com esse discurso: vou aumentar e criar 20 empresas públicas em São Paulo e quem vai fazer Minha Casa Minha Vida é empresa estadual. Tomou porrada do José Olympio (ex-presidente do Credit Suisse) e do Lírio Parisotto. Porrada construtiva, boa. Alguém falou: “A nota para vocês levantarem dinheiro na praça é uma merda. Vão pagar Selic a 10,25%. O Estado vai pagar isso e mais 5%. Deixa a iniciativa privada contratar essa dívida, e você indica onde quer a moradia”. Boulos olhou para todo mundo: “Deixa eu falar uma coisa clara: vocês aqui geram emprego, pagam os impostos, formam a riqueza do país. Fiquem com isso e deixem eu cuidar dos pobres”. Os associados gostaram. Essa turma nunca esperava sentar com o Boulos. 

O senhor crê que todos vão sentar para dialogar com vocês?
Todos serão convidados. Pela pujança do Esfera e pelas pessoas que fazem parte, tem de ser uma pessoa de destaque. Vamos focar no chefe do plano econômico, que pode revelar alguma coisa. O Lula tem três nomes provisórios: Aloizio Mercadante, Guido Mantega e Nelson Barbosa. Qual a nossa ideia? Ligar em março e convidá-los, e assim surge um diálogo: como vocês vão lidar com a autonomia do Banco Central? É mais fácil o chefe falar com franqueza do que o próprio candidato. Do Sergio Moro, vamos chamar o Affonso Pastore (ex-presidente do BC), ou ele indica alguém. Bolsonaro ainda não sinalizou quem seria o próximo ministro da Economia. Ninguém sabe se o Guedes fica. O Guedes já esteve três vezes conosco. Do Doria, a gente chamaria a Zeina Latif ou a Carla Abrão, porque o Henrique Meirelles vai ser candidato a senador. O Ciro não sei quem vai ser. A gente acha que é muito mais frutífero para os integrantes trocar o diálogo com os economistas-chefes dos candidatos do que o próprio candidato. Lógico que o candidato todo mundo vai querer ver, até para sentir o magnetismo.  Nós queremos ser os primeiros no Brasil a fazer prognósticos.

Como funcionaria isso?
Se você entrar no site do TSE, são 43 institutos de pesquisa cadastrados. Tem pesquisa com Lula na frente, Bolsonaro na frente. O cara faz metodologia científica durante dois anos e monta um instituto de pesquisa hoje. Não sabe nem ler direito. Precisamos qualificar as pesquisas. Mas é preciso saber que: pesquisa é o retrato do dia, não da eleição. 

Como o senhor e os empresários enxergam a economia em 2022?
A gente acredita muito. O mercado amadureceu. Todo mundo previa que este ano ia ser uma merda. Este começo foi ótimo: o dólar caindo, a bolsa subindo. O Brasil ficou muito barato. E a confiabilidade hoje de um binário de eleição deixa o mercado confortável. Não há tensão entre um Lula e um Bolsonaro. Pessoal do mercado sabe o que o Lula mais ou menos vai fazer, e o que o Bolsonaro vai fazer. O próprio investidor estrangeiro está colocando o dinheiro aqui porque ele crê que não vai ter terceira via, não vai ter surpresa, vai continuar isso aqui e, assim, tá bom, tá ótimo.

 

 

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