- Política
- dez | 2025
- Redação
Uma floresta de dinheiro
Com aporte brasileiro de 1 bilhão de dólares, Fundo Florestas Tropicais para Sempre busca criar união global contra desmatamento
Uma combinação entre investimento público e captação de recursos no mercado privado para conter a devastação de áreas verdes em todo o planeta: essa é a iniciativa do Brasil que deve modificar a forma do mundo enxergar a conservação ambiental. O Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla em inglês) surge para engajar o planeta sobre a emergência climática e a importância da preservação das florestas.
O fundo deve ser administrado de forma interina pelo Banco Mundial. A ideia é oferecer recursos às nações que preservam suas florestas, com auxílio de monitoramento por satélite para verificação do cumprimento de metas de desmatamento. Assim, a iniciativa pode alcançar mais de 1 bilhão de hectares de áreas de vegetação em 73 países nos cinco continentes. O lançamento da iniciativa deu-se durante a primeira semana da Conferência do Clima (COP30), em Belém (PA).
“O TFFF pode apontar o caminho financeiro para novos fundos, mecanismos financeiros para a conservação e para a sustentabilidade porque integra esse conceito de combinação entre recursos públicos e privados, mas que pode ser um mecanismo muito transformador em acelerar a redução do desmatamento”, avalia Mauricio Voivodic, diretor-executivo do WWF-Brasil, ONG que combate a degradação socioambiental.
Em discurso na Organização das Nações Unidas (ONU), em setembro deste ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) declarou um aporte de 1 bilhão de dólares ao fundo, e defendeu que cada país receba até 4 dólares por hectare preservado. “Os aportes iniciais poderão ser feitos por países desenvolvidos ou em desenvolvimento. A ideia é alavancar um fundo misto cujos dividendos serão repartidos anualmente entre investidores e países que mantiverem as florestas em pé”, disse a líderes de outras nações. O presidente brasileiro vê a iniciativa como resposta de longo prazo direcionada principalmente às comunidades locais e povos indígenas, que deverão receber pelo menos 20% dos pagamentos feitos pelo fundo.
Durante a COP30, o Brasil reafirmou o aporte declarado pelo presidente Lula em setembro, e a TFFF teve adesão imediata de 53 países, que endossaram o lançamento da iniciativa. Inicialmente, mais de 5,5 bilhões de dólares foram anunciados, com destinação ao fundo — a Noruega se comprometeu com 3 bilhões de dólares ao longo dos próximos anos, seguindo critérios específicos; a França sinalizou possível aporte de 577 milhões de dólares até 2030, também seguindo alguns critérios; já Portugal anunciou 1 milhão de dólares para a iniciativa. Assim como o Brasil, a Indonésia reafirmou o compromisso de 1 bilhão de dólares de contribuição.
O objetivo final é reunir 125 bilhões de dólares. Desse total, a meta é obter 25 bilhões de dólares junto a governos nacionais, com potencial para ultrapassar os 100 bilhões de dólares com a entrada do setor privado.
Pelo ponto de vista ambiental, Voivodic crê que, apesar de o fundo não ter um vínculo direto com os compromissos de cada país para reduzir emissões de gases de efeito estufa, nações que possuem florestas tropicais podem ganhar um estímulo a mais para perseguir metas mais rigorosas no combate ao desmatamento.
“Com o TFFF os países vão se sentir cada vez mais responsáveis e com maior disposição para incluir metas mais ambiciosas de redução de desmatamento nas NDCs [Contribuições Nacionalmente Determinadas] porque vai ter um mecanismo financeiro contribuindo apoiando para reduzir as taxas de desmatamento”, afirma Voivodic.
Documentos apresentados por cada país no âmbito do Acordo de Paris, as Contribuições Nacionalmente Determinadas são uma forma de as nações ratificarem seu compromisso climático perante a comunidade internacional.
Realidade brasileira
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aproximadamente 41% da população indígena do Brasil vivia com menos de um 1/4 de salário mínimo per capita por mês em 2022, a partir de dados coletados no último censo demográfico concluído.
Já em toda a Região Norte, que possui grande parte de seu território ocupado pela Floresta Amazônica, a renda domiciliar per capita ficou na casa dos R$ 1.389 no ano passado, quantia abaixo dos R$ 2.020 referente à média nacional, e a segunda mais baixa entre as regiões, ficando à frente somente do Nordeste (R$ 1.319). O valor inclui rendimentos obtidos de todas as fontes, como salário, pensões, benefícios sociais e aluguéis, entre outros, recebidos e divididos por todos os moradores do domicílio.
Autor de Extremos, livro que mapeia as desigualdades do Brasil e que traz diferentes recortes sobre a geração de riqueza e distribuição de renda nos estados que compõem a Amazônia, o economista Pedro Nery vê a iniciativa como algo importante, mas que depende de acompanhamento ao longo dos anos para realmente cumprir o objetivo esperado.
“É importante que haja pressão para ir crescendo. Falou-se em 1 bilhão de dólares, mas o PIB [Produto Interno Bruto] da região Norte é de cerca de R$ 600 bilhões. Então ainda dá menos de 1% da atividade econômica anual”, aponta Nery.
Em seu discurso em Nova York durante a Conferência da Organização das Nações Unidas, Lula destacou que, além da Amazônia, a Floresta do Congo, na África Central, e Borneo-Mekong, no Sudeste Asiático, concentram 80% da vegetação tropical remanescente em todo o planeta.
Na visão do professor Jaques Paes, docente do MBA de ESG e Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas, ainda que seja saudada como forma de direcionar um esforço concreto, a iniciativa corre o risco de transformar a floresta em “ativo financeiro” por meio de um “atestado de incapacidade de preservação”, mesmo que os responsáveis por implementar as medidas para proteger os biomas sejam os próprios países.
“Como eu consigo provar que agora que eu tenho um fundo eu vou conseguir fazer aquilo que não consegui fazer antes?”, questiona. “O que está se propondo não é o desenvolvimento sustentável. O que essa proposta faz na verdade é transformar a floresta em um ativo financeiro”, completa Paes.