Um austero na PGR

Conservadorismo não faz parte dos planos da gestão técnico-jurídica de Paulo Gonet 

Por Luís Filipe Pereira 

Indicado para assumir a cadeira de chefe do Ministério Público Federal, o carioca Paulo Gonet Branco é dono de gestos discretos e, na maioria das vezes, econômico nas palavras. O novo procurador-geral da República cultiva um estilo que agrada a gregos e troianos na atmosfera polarizada de Brasília, o que pode ser comprovado pela ampla margem de votos favoráveis dos senadores que ratificaram no plenário a indicação feita pelo presidente da República no fim do ano passado.

Contra a dicotomia ideológica que em tantas ocasiões tem dividido a sociedade nos últimos anos, Gonet apresenta à Revista Esfera seu ponto de vista a partir do próprio ofício. Indivíduo de perfil reservado, o substituto de Augusto Aras reforçou a importância do trabalho da Procuradoria-Geral da República (PGR) nas ações de combate à corrupção.

“O jurista, por exemplo, é sempre um conservador, porque ele tem que aplicar uma decisão que foi tomada no passado, a decisão do legislador. E ele é um progressista, porque sabe que sua decisão tem que ser ponderada a partir das perspectivas de futuro que vai gerar”, ilustra. Questionado sobre os motivos que podem tê-lo  levado a ser escolhido por Lula para ocupar a cadeira que já foi preenchida por Rodrigo Janot e Raquel Dodge em anos anteriores, ele prefere se abster e sugere que talvez o próprio presidente seja a pessoa mais indicada a responder.

Antes de tudo, Gonet se define como uma pessoa vocacionada para a carreira jurídica. Segundo ele, o vestibular para o curso de Direito da Universidade de Brasília (UnB) foi uma escolha natural — ou, em suas próprias palavras, “a melhor forma de dar alguma contribuição para a vida em sociedade” —, já que poderia aproveitar o gosto pela leitura e aperfeiçoar a nascente capacidade de argumentação.

“Seguir a carreira pública sempre foi o objetivo. Na época em que eu fiz Direito, aqui em Brasília, a grande atração era se tornar membro de alguma carreira do Judiciário, do Ministério Público. Enfim, alguma carreira ligada à função final de aplicação do Direito. Desde que eu entrei no curso de Direito, a Procuradoria da República me atraía bastante”, conta.

Entre as amizades construídas ao longo da vida profissional, Gonet destaca a proximidade com o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), parceiro de caminhadas matinais e de quem foi sócio no Instituto de Direito Público (IDP) até setembro de 2017, quando vendeu sua parte na sociedade para o filho do magistrado, Francisco Schertel Mendes. “À certa altura, nós conversávamos sempre sobre questões de Direito, questões relacionadas com o ensino de Direito e, juntamente com o professor Inocêncio Coelho, com quem a gente também conversava sobre esses assuntos, surgiu a ideia de expandirmos as nossas conversas para um público mais amplo. Daí surgiu o IDP.”

Aos que o definem como ultracatólico e conservador por opiniões proferidas no passado sobre temas como o direito das mulheres ao aborto, Paulo Gonet se diz contra a “rotulagem tão pouco reverente à dignidade das pessoas” e pondera que suas decisões não levam em conta qualquer influência de credo ou pensamento religioso.

Em sua sabatina, ao ser questionado pelo senador Fabiano Contarato sobre seu posicionamento sobre a criminalização da homofobia, afirmou que “seria injusto não reconhecer o casamento gay como unidade familiar”. “Enfim, o que posso dizer é que não sei o que é ultracatólico. Sei o que é tentar ser católico, que é o meu caso. Todas as minhas decisões e meus atos são estritamente técnico-jurídicos, então ser católico acaba não tendo um impacto decisivo para essas deliberações técnicas que eu tenho que tomar”.

Sem alimentar paixões na arena política, Gonet é comedido também ao revelar que seu time de coração é o Botafogo, mas não se furta ao gosto pelo cinema. Na lista de favoritos está o clássico O Leopardo, ambientado no período histórico que antecede a unificação italiana. “O filme é de enorme beleza plástica e, sobretudo ao final, é uma advertência de cunho histórico que pode levar a um conformismo ou a um ânimo para reagir melhor. Depende de quem assiste”, define.

A história se desdobra no luxo dos palácios, onde representantes da nobreza acompanham os acontecimentos ao mesmo tempo em que conflitos entre os defensores da unificação e forças contrárias ocorrem na Península Itálica.

Em um dos diálogos, o jovem aristocrata Tancredi Falconeri, interpretado por Alain Delon, diz ao tio, o príncipe Don Fabrizio Salina (Burt Lancaster) e personagem principal, que “se queremos que tudo continue como está, é preciso que tudo mude”, ao justificar à família sua adesão à luta revolucionária de Giuseppe Garibaldi. “A frase me impressiona”, confessa o PGR. 

Bem-sucedido, Falconeri alcança consecutivas promoções em postos militares e, por fim, é indicado ao Senado, enquanto o protagonista mergulha em um misto de expectativa e amargura pelo futuro que se desenha para o cenário político do país ainda em formação. Nesta ficção transformada em espelho, Paulo Gonet se parece mais com Tancredi, tão arguto e consciente de seu entorno — e tempo —, que com o príncipe saudosista. 

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