Teto de gastos ainda é a melhor opção para garantir a sustentabilidade fiscal

Segundo economista, Brasil ainda depende de uma regra fiscal robusta para restringir o crescimento das despesas; os mercados internacionais já foram implacáveis: a irresponsabilidade fiscal não passará.
Por Mariam Dayoub*

“O Brasil é um país viciado em gasto público” (Marcos Mendes)

Quem quer que saia vitorioso no 2º turno no dia 30, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ou Jair Bolsonaro (PL), terá entre os muitos desafios na área econômica a sustentabilidade fiscal.

Em evento organizado pela Esfera Brasil na semana passada, no dia 27 de setembro, Lula, acompanhado pelo seu vice de chapa, o ex-governador Geraldo Alckmin (PSB), e pelo coordenador de seu programa de governo, Aloízio Mercadante, indicou que, se eleito, acabará com o teto de gastos. Mercadante ressaltou que, em seus governos anteriores, o presidente Lula foi fiscalmente responsável.

presidente Bolsonaro também havia cogitado acabar com o teto de gastos e depois voltou atrás. Ele já prometeu mudanças após as eleições. A ideia é de que a âncora se torne mais flexível à medida que o peso da dívida pública diminua.

Comecemos com uma breve história sobre regras fiscais. Regras fiscais são dispositivos legais para promover o equilíbrio fiscal de médio e longo prazos e a solvência do setor público, bem como dar credibilidade à política fiscal e coordenar as expectativas dos agentes econômicos em um mundo de informação imperfeita.

Segundo o FMI, em 2021, 105 países adotavam ao menos uma regra fiscal, partindo de apenas seis países em 1985. As principais regras adotadas em 2021 eram a do orçamento equilibrado (93 países), a que limita a dívida pública (85 países) e a que limita os gastos públicos (55 países). Com a pandemia, a grande maioria dos países acionou cláusulas de escape para emergências, desviando-se dos limites impostos por suas regras fiscais. No pós-pandemia, há um desafio global sobre como e quando retornar a essas regras. Portanto, nossa situação local está inserida nesse contexto global.

Façamos uma breve história do teto de gastos. Desde a redemocratização, os gastos públicos aumentaram significativamente. Apenas no governo central, passaram, como proporção do PIB, de 11,1% em 1991 para 19,9% em 2016 e 18,6% em 2021. Em um primeiro momento, esse crescimento foi financiado pela inflação. Após o Plano Real, ele passou a ser financiado pelo aumento da carga tributária, que, em 2020, segundo dados da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), ficou em 31,6% do PIB, mais de 10 pontos percentuais acima da média dos países da América Latina.

Esse aumento da carga foi sustentado pelo boom de commodities com a inserção da China na economia global e pelos resultados gerados pelas reformas econômicas do governo FHC. Assim, o país cresceu rapidamente e gerou superávits primários compatíveis com a redução do endividamento público. Porém, modelos se exaurem.

Quando nosso ciclo de crescimento foi se esgotando e a carga tributária chegou aos níveis de países da OCDE, o setor público continuou a elevar os gastos de forma descontrolada. Isso levou a um aumento insustentável do endividamento público, que culminou com a perda do grau de investimentos em 16/12/2015 e uma economia em recessão profunda, com taxas de inflação e de desemprego de dois dígitos. Com a crise econômica em seu ápice, o governo de Michel Temer conseguiu promulgar o teto de gastos em dezembro de 2016.

A razão pela escolha de uma regra que limitasse os gastos públicos foi a correta, dado o diagnóstico do problema fiscal à época – e que se mantém. Dado que um ajuste fiscal significativo (da ordem de 5% do PIB, equivalente a R$ 350 bilhões em 2016) era inevitável, a escolha foi por fazê-lo de forma gradual, equivalente a 0,5% PIB ao ano por um período de 10 anos. Assim, saía-se de um déficit primário, após reconhecimentos das “pedaladas fiscais”, de 2,5% do PIB para um superávit de 2,5% de PIB ao final de 2026, que colocaria a dívida pública em trajetória cadente.

Além disso, fazer um ajuste fiscal dessa magnitude rapidamente, dada a rigidez orçamentária em que mais de 90% da despesa primária do orçamento federal são gastos obrigatórios, exigiria aumentar as receitas em um país com carga tributária já muito elevada. Portanto, o teto, que limitou o crescimento das despesas à inflação, se fez a alternativa adequada pela redução gradual das despesas como parcela do PIB ao longo do tempo. Além disso, a equipe econômica liderada pelo ministro Henrique Meirelles passou credibilidade ao mercado, levando a reprecificação rápida dos ativos domésticos.

Como ficou claro desde sua adoção, o teto de gastos não era suficiente para produzir o ajuste fiscal, mas sinalizava a disposição do governo em manter a disciplina fiscal a fim de garantir a sustentabilidade da dívida pública. Ademais, seu cumprimento demandava a aprovação de reformas para controlar os gastos obrigatórios, como a da previdência e a administrativa.

Após ofensivas em 2021 e 2022, o teto de gastos encontra-se fragilizado. Dada a demanda continuada pelo aumento de gastos, refletida na discussão sobre mais um “waiver” para o teto em 2023, será necessária a adoção de uma nova âncora fiscal que passe credibilidade acerca da sustentabilidade fiscal do setor público e que mostre que, ao longo do tempo, a dívida pública será estabilizada e, mais à frente, convergirá de cerca de 77% do PIB para níveis mais próximos da média dos países emergentes (65% PIB).

Dado nosso desequilíbrio fiscal crônico e que o diagnóstico feito em 2016 se mantém, uma regra fiscal robusta que restrinja o crescimento das despesas, ou seja um teto de gastos, ainda se mostra a opção mais apropriada para garantir a sustentabilidade fiscal. Assim, qualquer nova âncora deve englobar um limite de gastos – como mostra a proposta em desenvolvimento pelo Tesouro Nacional, que dá mais flexibilidade ao teto via uma regra de endividamento – e ser respaldada por reformas que aumentem a eficiência do Estado.

Na semana passada, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse em uma entrevista que nem mesmo os países desenvolvidos estão imunes às preocupações dos mercados em como a conta fiscal do pós-pandemia será paga.

“There is no free lunch”. Na Inglaterra, a 5ª maior economia do mundo e cuja moeda já foi reserva de valor, a recém-empossada primeira-ministra, Liz Truss, jogou as regras fiscais pela janela ao divulgar um plano que elevava os gastos públicos e cortava impostos no curto prazo, sem sinalizar como a sustentabilidade fiscal seria alcançada no médio prazo. Os mercados foram implacáveis: a irresponsabilidade fiscal não passará.

Governar é fazer escolhas. Que, no nosso pós-eleição, prevaleçam o pragmatismo e a responsabilidade nas escolhas fiscais, para que enveredemos por um novo ciclo de crescimento sustentável com geração de empregos, inflação na meta e taxa de juros reais cadente.

*Economista-chefe e cientista de dados da Grimper Capital

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