- Política
- 26.12.2024
- Redação
Prioridades para 2025
O ajuste fiscal e outras pautas secundárias, mas cruciais, para o restante do Lula 3
Por Daniela Rocha
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva está chegando à metade de seu terceiro mandato — o chamado “Lula 3” — com uma série de desafios pela frente, sendo o ajuste fiscal uma peça-chave. Segundo estatísticas fiscais do Banco Central, o governo vai fechando 2024 com a Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) em 78,6% do Produto Interno Bruto (PIB), uma alta de 4,2 pontos percentuais (p.p.) acumulada no ano.
O economista Ricardo Amorim, CEO da Ricam Consultoria, avalia que, para o País aproveitar oportunidades e continuar atraindo investimento direto estrangeiro, empresas e investidores têm de acreditar que não há risco de uma insolvência futura. “A trajetória ascendente da dívida pública vem gerando esse tipo de preocupação, por isso o ajuste fiscal tem que ser a prioridade, e todas as outras pautas vêm depois”, diz. Em meio à intensificação dos riscos geopolíticos globais, ele destaca que o Brasil se beneficia como uma alternativa atraente, em comparação com outros grandes emergentes. Enquanto China e Estados Unidos aumentam suas disputas comerciais e a Rússia continua em guerra com a Ucrânia, os ativos na Índia ficaram caros após uma onda de investimentos.
Diversos estudos evidenciam que não há espaço para aumento de impostos e que a solução passa pela redução dos gastos. “O Brasil é o terceiro país entre 165 emergentes com impostos mais elevados como proporção do PIB e o sétimo no mundo inteiro em piora das contas públicas nos últimos dois anos, com aumento de 2,2% no déficit em função dos gastos”, ressalta Amorim.
O economista afirma que a questão fiscal não equacionada implica inflação alta persistente e, consequentemente, juros em patamar elevado para controlá-la. Em linhas gerais, o déficit fiscal coloca mais dinheiro em circulação, aumentando a demanda e gerando alta de preços. “Além disso, aumenta a percepção de risco e leva à saída de dinheiro da bolsa [B3], o que faz subir a cotação do dólar, impactando também a inflação”, acrescenta. A Selic, que é a taxa básica de juros, quando alta por muito tempo, pode deteriorar a economia.
Sob pressão e ciente de que teria que se mover, o governo federal divulgou um pacote de corte de gastos públicos de R$ 70 bilhões nos próximos dois anos. O anúncio foi feito no dia 27 de novembro pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Para especialistas consultados por esta reportagem, o conjunto de medidas foi considerado aquém do necessário e com efeitos que podem não ser gerados no curto prazo, apesar de alguns avanços pontuais. De acordo com eles, mudanças estruturantes são fundamentais.
Para Amorim, o corte proposto é menor que a expectativa de 0,5% do PIB para 2025 e 2026. Pelo pacote do governo, o salário mínimo continuará subindo acima da inflação, mas dentro das regras do arcabouço fiscal, com limite de até 2,5% ao ano de ganho real. Atualmente, o reajuste é feito pela inflação do ano anterior mais o crescimento do PIB de dois anos passados. “Não existe nem lógica econômica, nem espaço orçamentário para o governo ficar reajustando o salário mínimo acima da inflação, não é sustentável. A correção pela inflação seria perfeita”, opina o economista.
Fernando Schüler, cientista político e professor do Insper, ressalta que é positiva a intenção do governo de limitar os supersalários, ou seja, garantir que todos os servidores públicos estejam sujeitos ao teto constitucional de R$ 44 mil mensais. O que acontece hoje é que certos benefícios ficam fora desse teto, resultando em valores acima do teto. “Mas ainda falta o governo detalhar como fará esse cumprimento rigoroso do teto do funcionalismo público e do corte de incentivos”, pondera.
Entretanto, Schüler critica o fato de que o governo não endereçou questões mais profundas relacionadas às despesas obrigatórias, como a reforma administrativa, que está parada no Congresso e poderia ser articulada. Inevitavelmente, uma hora esses temas virão à tona. “Hoje, 92% das despesas são obrigatórias, o que é muito fora da curva. Os investimentos estão dentro das despesas discricionárias, que é uma fatia de apenas 8%, mas aí também tem as emendas parlamentares. Nesse ponto, Lula e Bolsonaro são iguais, são reféns do Congresso”, afirma.
Haddad declarou que o valor global das emendas dos parlamentares não poderá avançar mais do que 2,5% acima da inflação e que 50% delas passarão a ir obrigatoriamente para a saúde pública. Na visão de Leonardo Barreto, cientista político e sócio da consultoria Think Policy, trata-se de uma regra pró-Congresso. “Na verdade, o ministro estabeleceu uma regra que equaliza o volume de crescimento das emendas à própria lei do arcabouço, que já está consagrada, e diz que, sempre que houver contingenciamento de emenda, tem que ser na mesma proporção do contingenciamento do Orçamento do Executivo. Então o Congresso manteve boa posição”, analisa.
A decisão do presidente Lula de divulgar o pacote de corte de despesas junto com a isenção de Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil gerou avaliações negativas no mercado, provocando queda na B3 e alta do dólar. Cristiano Noronha, vice-presidente da Arko Advice, avalia que o governo deveria ter deixado para anunciar o reajuste da tabela de IR no ano que vem, já que só vai vigorar em 2026. Contudo, a iniciativa gerou incertezas e desconfianças do mercado sobre os números da compensação dessa isenção. Agora, o governo busca uma contenção de danos, trabalhando para aprovar o pacote de cortes rapidamente e evitar desidratação no Congresso. Como falta pouco tempo para o recesso, há o risco de que algumas medidas do pacote fiquem para votação em 2025, segundo Noronha.
Reforma ministerial
No radar do próximo ano, também estará a reforma ministerial, conforme sugere Leonardo Barreto. “O governo vai ter que continuar discutindo cortes de gastos e outros assuntos importantes. Portanto, uma reforma ministerial não só redesenha o apoio do governo no Congresso, bem como já começa a dar contornos para o tipo de coalizão que o governo Lula vai querer montar para a sua reeleição”, explica.
Por outro lado, alguns partidos políticos também vão buscar uma participação mais efetiva. Um exemplo é o Republicanos, que hoje tem o Ministério de Portos e Aeroportos, mas, se conquistar a presidência da Câmara, provavelmente vai pleitear o aumento de seu cacife.
Reforma tributária
A reforma tributária é outra pauta importante que seguirá liderada pelo governo em 2025. “A implementação dessa reforma será gradativa, dependendo de leis ordinárias, complementares e regulamentação. O governo terá que liderar esse processo, até porque tem os dados da Receita Federal”, comenta Barreto, da Think Policy.
Para Cristiano Noronha, da Arko, projetos relacionados correm o risco de ser votados no ano que vem. “Além do projeto que trata do IBS [Imposto sobre Bens e Produtos], CBS [Contribuição sobre Bens e Serviços] e Imposto Seletivo [IS], tem um outro projeto no Senado que está relativamente atrasado, que trata do Comitê Gestor de IBS, envolvendo estados e municípios”, lembra.
Oportunidades no comércio internacional
O retorno de Donald Trump à Casa Branca representa mais protecionismo da maior economia do mundo e intensificação da guerra comercial com a China. Por sua vez, o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia voltou às negociações. No entanto, o CEO global do Carrefour, Alexandre Bompard, nos lembrou recentemente da volatilidade dessas relações ao comprometer-se com um sindicato agrícola francês a não comprar carne do Mercosul. A atitude teve como resultado um boicote de frigoríficos brasileiros à rede do país.
“A agenda internacional também é uma questão importante. O Brasil tem que diversificar e fortalecer as relações”, defende Noronha. Segundo ele, parte desse movimento foi feito na reunião da Cúpula do G20 deste ano, no Rio de Janeiro. Um dia depois, já em Brasília, Lula e o líder chinês Xi Jinping assinaram 37 acordos bilaterais em mais de 15 temas, incluindo agronegócio, educação, tecnologia e investimentos.
Ricardo Amorim avalia que é provável que as exportações brasileiras de alimentos para China aumentem, incluindo soja, milho e proteína animal, como ocorreu no último governo Trump.
COP no Brasil
A 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30) será no Brasil, mais especificamente na cidade de Belém, no Pará, em novembro de 2025. “A agenda ambiental e energética será muito forte no próximo ano por conta da COP”, prevê Noronha.
Será uma grande oportunidade para o Brasil, que está se posicionando na bioeconomia. “Com a regulamentação do crédito de carbono, o tema tende a ganhar mais espaço também”, acrescenta Leonardo Barreto. A lei que cria o mercado regulado de carbono no Brasil foi sancionada sem vetos por Lula no dia 12 de dezembro.
Agenda de competitividade e IA
Na visão do cientista político Fernando Schüler, o governo precisa desenvolver um ambiente regulatório favorável à atração de investimentos, a exemplo do Marco da Cabotagem e do Marco do Saneamento.
A melhoria da educação é outra pauta a ser perseguida, de acordo com Schüler, dado que o País não avança em diversos indicadores. No Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa, na sigla em inglês), que avalia o desempenho de alunos de 15 anos de idade em matemática, leitura e ciências, o Brasil continua com notas muito abaixo da média da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Amorim diz que o governo precisa ficar atento às mudanças no mercado de trabalho e à capacitação profissional, diante da evolução da inteligência artificial (IA). “O mundo está passando por uma grande transformação tecnológica, e os brasileiros precisam ter uma educação voltada para IA”, recomenda.