- Meio Ambiente
- 22.07.2024
- Redação
Mobilização coletiva é vital ante eventos climáticos extremos
Especialistas recomendam políticas públicas mais efetivas e maior envolvimento da sociedade com o meio ambiente para salvar vidas e reduzir danos à economia e às contas públicas
Por Alessandro da Mata e Luís Filipe Pereira
Os temporais no Rio Grande do Sul causaram mais de 170 mortes e deixaram diretamente vulneráveis mais de 2,3 milhões de pessoas, em 469 municípios, segundo dados da Defesa Civil gaúcha. Os prejuízos econômicos vão muito além das fronteiras do estado: afetam o Produto Interno Bruto (PIB), pressionam a inflação, as contas públicas e o dia a dia dos brasileiros. Diante dos eventos climáticos extremos cada vez mais recorrentes, como prevenir os impactos de novas tragédias?
A maior incidência de desastres naturais não é obra do acaso. O aquecimento global é resultado de micro e macroatitudes poluidoras da sociedade, que intensificam os eventos climáticos extremos, provocando perdas humanas, de fauna, flora e recursos naturais. A vida humana se deteriora com a ampliação das doenças, da pobreza e da desigualdade social.
Para especialistas, elevar o status da proteção ao meio ambiente é essencial para reduzir os danos do efeito estufa, os eventos climáticos extremos e suas consequências econômicas, o que requer esforço coletivo, a começar pela mudança de hábitos simples, como a diminuição do uso de combustíveis fósseis, de plástico e do consumo de produtos processados. Tais iniciativas não exigem muitos esforços e vão ao encontro da sustentabilidade do planeta.
No entanto, a massificação da cultura de proteção ao meio ambiente enfrenta barreiras próprias do sistema capitalista, que privilegia cada vez mais a comodidade, a praticidade, o individualismo e a rentabilidade. Enquanto os prejuízos ao clima parecem toleráveis ou distantes, a sociedade segue com práticas menos engajadas. Só que quando o ônus vem de forma grave, como no episódio de enchentes e desmoronamentos de terra com quase mil mortos na região serrana do Rio de Janeiro, em 2011, a reação comum é a cobrança ao poder público.
“O governo geralmente é reativo. É difícil pensar no longo prazo quando se lida constantemente com crises. É fácil culpar o governo, mas, para fazer os grandes investimentos necessários para se adaptar às alterações climáticas, você tem que envolver a todos, do poder público ao setor privado, das comunidades aos indivíduos”, afirma Thaddeus Pawlowski, diretor do Centro de Cidades e Paisagens Resilientes da Universidade Columbia. Ele participou da estratégia de reconstrução de Nova Iorque, que sofreu com diversos pontos de alagamento e cortes de energia após o furacão Sandy, em 2012. Uma série de ajustes em estruturas urbanas foram feitos para evitar que a população ficasse tão vulnerável em caso de nova intempérie.
Tapa na cara
Realista e cruel, a fala de Pawlowski não é conformista. De acordo com o professor, não há como eximir a gestão pública da incumbência de liderar e assegurar a prevenção aos impactos de eventos climáticos extremos, mesmo com os recursos financeiros limitados e outros problemas graves mais rotineiros. A tragédia no Rio Grande do Sul, por exemplo, convoca a sociedade a reagir de forma organizada.
Os aspectos mais sérios dos eventos climáticos extremos estão no livre desmatamento — não à toa, pedidos pela preservação da Amazônia, a maior floresta tropical do mundo, vêm de todas as partes da sociedade — e na ampla emissão de carbono, resultado especialmente dos movimentos industriais.
“Nós precisamos da criação de instrumentos legais que incorporem medidas mais efetivas e antecipadas em relação aos eventos climáticos extremos, como os planos de mitigação e de adaptação climática. Tanto a União quanto os estados, Distrito Federal e municípios devem criar esses planos, alinhando-se ao que determina a Política Nacional sobre Mudança do Clima”, ressalta Ciro Brito, assessor de Políticas Climáticas do Instituto Socioambiental.
Sopros de esperança
A Política Nacional sobre Mudança do Clima, citada por Brito, está prevista na Lei 12.187/2009, que dá direção às ações de prevenção aos desastres naturais. As iniciativas necessárias passam essencialmente pela preservação, conservação e recuperação dos recursos ambientais; redução dos gases de efeito estufa (GEE); estímulo ao desenvolvimento do Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE); aperfeiçoamento da observação sistemática e precisa do clima; promoção e desenvolvimento de pesquisas científico-tecnológicas; difusão de tecnologias, processos, práticas e educação para mitigar danos de desastres naturais; e adoção de padrões sustentáveis de produção e consumo.
A legislação dispõe também sobre instrumentos para o Brasil agir a favor da sustentabilidade do planeta. Um exemplo está no Fundo Nacional sobre Mudança do Clima, que terá um aporte 26 vezes maior para recursos reembolsáveis, passando de R$ 400 milhões/ano até 2022 para R$ 10,4 bilhões só em 2024, graças à emissão, pela primeira vez no País, de títulos públicos sustentáveis do governo brasileiro. O movimento visa ampliar e dar escala à redução de emissões de GEE.
A mitigação dos impactos dos eventos climáticos extremos passa ainda pelos planos diretores municipais, obrigatórios por lei para cidades com mais de 20 mil habitantes. Eles são os pontos de partida para a normatização da ocupação urbana no que tange o desenvolvimento sustentável e a recuperação ambiental.
Os planos diretores devem estar atentos às consequências do aquecimento global. Deles precisam derivar mais medidas de prevenção de riscos, que contemplem, por exemplo, o monitoramento de eventos meteorológicos, hidrológicos e geológicos, o respeito à ocupação e uso adequado do solo, meios de manutenção de estruturas de absorção, escoamento e tratamento das águas e esgotos, mapeamento, retirada e alocação de famílias vivendo em encostas.
O fortalecimento da Defesa Civil é indispensável, com equipes, recursos e suporte para estratégias que incluem, durante os eventos climáticos extremos, avisos sonoros e por SMS. O governo federal, enfim, anunciou, no mês passado, que vai emitir alertas por celulares acerca de possíveis desastres, com informações sobre locomoção, abrigo, alimentação, vestimentas, atendimento médico, medicamentos, apoio psicológicos e de recolocação profissional para a reinserção de indivíduos à vida em sociedade. O trabalho de vigilância deve ser permanente, principalmente para impedir que pessoas voltem às áreas de risco ou nelas ingressem.
E quanto à economia?
Enquanto a mobilização coletiva é espaçada ou minorizada, os reflexos dos eventos climáticos extremos são sentidos na economia. O PIB do Rio Grande do Sul, em 2023, representou cerca de 6% do PIB brasileiro. Com as enchentes recentes, as estimativas iniciais de economistas dão conta de recuo no PIB gaúcho entre 4 e 5%, o que representaria um impacto negativo no PIB nacional entre 0,25 e 0,3%.
Segundo organizações de produtores agrícolas no Rio Grande do Sul, a quebra de safra foi da ordem de 15%, o que não afeta muito a oferta. Contudo, o arroz tem 70% da produção nacional em terras gaúchas e tende a ficar mais caro. Na ponta final, o custo de vida do brasileiro se torna ainda mais difícil.
“Com pastos alagados, algumas unidades de produção suína e de aves foram comprometidas e, logo, os preços de carne e da bacia leiteira deverão pressionar a inflação nos meses de maio e junho. Haverá um choque de oferta que, no longo prazo, deverá ser normalizado. O problema maior é a logística precária de transporte”, comenta Fernando Ferrari Filho, professor titular de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
O governo federal disponibilizou R$ 62,5 bilhões para socorrer o Rio Grande do Sul. O montante, com aval do Congresso Nacional, não entrará na meta fiscal. Mas tais gastos irão pressionar as contas públicas e mexer com o mercado financeiro. Bancos e gestoras de ativos têm incorporado às operações de crédito e investimentos análises do risco ambiental que determinadas operações podem gerar. Episódios como do Rio Grande do Sul redobram os esforços.
“A gente vem fortalecendo essa área e hoje em dia somos mais proativos e propositivos em relação às operações, fazendo com que os clientes se engajem nas melhores práticas. Se a gente vai disponibilizar recursos para uma empresa de óleo e gás, queremos entender os compromissos que essa empresa fez em relação à redução da emissão de gases de efeito estufa. Na frente social, desenvolvemos produtos para o cliente participar. Doamos R$ 20 milhões ao Rio Grande do Sul”, conta Mariana Oiticica, co-head de ESG & Impact Investing do BTG Pactual.
Com a maior recorrência de altos índices pluviométricos em diversas regiões, o custo Brasil também se acentua com as dragagens de rios, a construção de moradias populares e até mesmo as estruturas de deslocamento urbano. Essas demandas requerem investimentos vultosos.
“É preciso incrementar nessa discussão um fator primordial: financiamento. Não há dúvidas de que construir uma ponte mais alta por conta de cheias, reforçar a encosta de uma rodovia contra desabamentos ou mesmo implantar ferramentas de prevenção e alertas à população nos arredores custa caro. Precisamos discutir como pagar essa conta. E ela não pode recair sobre os usuários dos serviços”, frisa Natália Marcassa, CEO do MoveInfra, movimento que reúne os seis principais grupos de infraestrutura do País: CCR, EcoRodovias, Rumo, Santos Brasil, Ultracargo e Hidrovias do Brasil.
A preocupação com o clima se estende também para quem depende do mar. A Ageo Terminais, empresa de infraestrutura logística portuária, é signatária do Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU) e do Manifesto ESG do Porto de Santos, que prezam pelo compromisso com um mundo mais sustentável e socialmente consciente.
“Estamos inventariando os gases de efeito estufa, seguindo premissas internacionais do GHG Protocol e subordinando à auditoria independente as medidas propostas, substituímos a energia elétrica consumida em 100% com origem de fontes renováveis com certificação internacional, estamos adotando o projeto Aterro Zero para resíduos sólidos, objetivando eliminar a disposição em aterros sanitários, além da prática histórica de adotar sistemas de controle que destroem no mínimo 95% das emissões atmosféricas originadas de seus produtos armazenados”, elenca Matheus Santiago, CEO da Ageo. “Também convivemos com os impactos, que são causados por chuvas e ventos fortes no nosso negócio, e implantamos uma estação meteorológica na própria planta para monitorar o clima e orientar medidas de engenharia, segurança e operacionais”, acrescenta.