Mercado de tecnologia se expande

O consumo de energia do setor deve saltar para 2,3 GW nos próximos anos; desafio é garantir que crescimento esteja alinhado a práticas ESG

Por Talis Mauricio

Os data centers oferecem ao Brasil uma chance de impulsionar a economia, gerar empregos de alta qualificação e consolidar o País como polo de inovação digital. No entanto, seu alto consumo de energia levanta preocupações ambientais, criando um dilema que permeia as discussões do setor atualmente: equilibrar o crescimento do avanço tecnológico com a sustentabilidade e a redução de poluentes.

Esse equilíbrio entre inovação e meio ambiente é colocado em xeque devido à alta demanda por energia e refrigeração contínua, reforçando a necessidade de práticas ESG para garantir crescimento responsável, eficiente e alinhado a uma agenda social, ambiental e de governança.

Um relatório da International Data Corporation (IDC), líder mundial em inteligência de mercado, aponta que o volume global de dados dos data centers deve saltar de 64,2 zettabytes em 2020 para 181 zettabytes até o final de 2025. No Brasil, a Associação Brasileira de Data Centers (ABDC) prevê triplicar o parque instalado, saltando dos atuais 750 megawatts para 2,3 gigawatts até 2030. “É uma projeção só para sustentar o mercado de cloud, sem levar em conta novos parques de inteligência artificial [IA]”, diz Luis Tossi, vice-presidente da ABDC.

Data centers são instalações que armazenam e processam grandes volumes de informações, fundamentais para atividades de e-commerce, finanças, áreas da saúde, mercado de nuvem, redes sociais e ferramentas que utilizam inteligência artificial. Em outras palavras, são a espinha dorsal da economia digital em um mundo cada vez mais conectado. Todo clique na internet, de alguma forma, passa por um data center. “Todas as informações às quais temos acesso estão armazenadas em algum local, e esses locais são os data centers, grandes prédios tecnológicos que abrigam uma série de servidores, storages, equipamentos de rede. Da rede social até serviços básicos que hoje não vivemos mais sem”, explica Tossi.

Para operar de forma contínua, eles exigem uma infraestrutura complexa de energia, incluindo geradores e até subestações próprias, garantindo o funcionamento 24 horas por dia. Além disso, a gestão térmica é fundamental, já que equipamentos modernos, especialmente aqueles usados no treinamento de modelos de IA, geram muito calor e precisam ser resfriados eficientemente, muitas vezes por sistemas de resfriamento líquido, como água ou óleo. No caso de data centers de nuvem, que consomem menos energia, o ar frio costuma ser suficiente para manter a temperatura.

O Brasil conta atualmente com 189 data centers comerciais prestadores de serviço — sem contabilizar a infinidade de equipamentos privados de uso próprio. A maioria está nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Segundo a ABDC, o investimento em infraestrutura para implantar um data center de 100 megawatts é de 1 bilhão de dólares.

Para o advogado Tiago Lobão Cosenza, especialista em infraestrutura e energia, o investimento em data centers é capaz de garantir não apenas transformação digital para um país, mas também soberania, já que estruturas em território próprio promovem segurança jurídica, controle de dados e investimentos. Outro fator relevante, destaca, é a competitividade econômica. “Regiões que atraem data centers se tornam polos de inovação, com geração de empregos de alta qualificação e estímulo a novos negócios”, afirma.  

Entretanto, o crescimento do setor exige cada vez mais instalações robustas, resilientes, de baixa latência e alta escalabilidade, capazes não só de armazenar, mas também processar e distribuir com celeridade uma montanha de informações em tempo real. E aqui entra o aspecto polêmico e que vem gerando discussões no setor: como garantir energia e sustentabilidade? “Como são grandes consumidores de eletricidade, se tornaram protagonistas no debate sobre eficiência energética e fontes renováveis e limpas”, aponta Cosenza.

Nos últimos dois anos, 40 novos data centers solicitaram ao Operador Nacional do Sistema (ONS) acesso à rede elétrica. Trinta tiveram aval, o que representa uma demanda de 2,5 gigawatts de energia, capaz de abastecer 2 milhões de residências por ano. Um consumo muito acima do padrão histórico. “O ONS vem se articulando com o Ministério de Minas e Energia, Aneel e EPE [Empresa de Pesquisa Energética] de modo a viabilizar soluções estruturais para atendimento de novas soluções regulamentais e também de novas cargas. São soluções que demandam maior embasamento técnico, porque fogem aos padrões históricos de crescimento da carga considerados no planejamento da expansão da transmissão até então”, afirmou o órgão, em nota. 

Outro dado alarmante foi divulgado pelas empresas responsáveis pelos quatro primeiros complexos de data centers de inteligência artificial do Brasil, previstos para o Rio de Janeiro (RJ), Eldorado do Sul (RS), Maringá (PR) e Uberlândia (MG). Juntos, os equipamentos representam um consumo de energia equivalente ao de 16 milhões de residências.

Impactos

Um levantamento feito pela Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) e de Tecnologias Digitais (Brasscom) mostra que os data centers são responsáveis pelo consumo de 1,7% da energia elétrica no Brasil — a projeção para 2029 é saltar para 3,6%. Em relação à água, o consumo é de 0,003% do total utilizado no País, cerca de 2 bilhões de litros, volume comparável ao consumo anual de aproximadamente 35 mil pessoas.

Um dos principais motivos que colocam o Brasil na rota dos data centers, despontando como um dos mercados mais promissores da América Latina, é a disponibilidade de energia limpa e renovável a preços competitivos. Mas, para Jorge Arbache, professor de Economia da Universidade de Brasília (UnB), é preciso acompanhar de perto essa expansão. 

“O setor é estratégico para os interesses nacionais e sociais. O uso absurdamente elevado de energias e água e seus impactos ambientais são tremendos. O que hoje parece abundante pode rapidamente se tornar escasso e os efeitos são devastadores, como já se sabe da experiência internacional. Há ainda a inflação de preços da energia e da água, como aconteceu nos Estados Unidos, com custos gerais, mas especialmente para os mais pobres e para as pequenas empresas”, alerta.

Clauber Leite, diretor de Bioeconomia e Energia Sustentável do Instituto E+ e integrante da rede Observatório do Clima, avalia que está em curso uma espécie de “caça ao tesouro” das empresas interessadas em construir data centers. Para ele, o Brasil deve trabalhar com grandes contrapartidas. 

“Além de garantir uma compra de energia renovável por esses empreendimentos, eles precisam também, de alguma forma, se responsabilizar por essa exposição. Não pode ser predatório dessa forma, de uma corrida de quem chega primeiro, porque essa infraestrutura que vai ser usada por data centers poderia estar sendo usada por diferentes tipos de indústrias. Inclusive, poderiam trazer outros benefícios até maiores para o Brasil, como emprego e desenvolvimento local”, salienta.

Representantes do setor enxergam o debate com outros olhos, descartam riscos de inflação para consumidores e avaliam que novos projetos podem absorver a energia excedente no sistema, garantindo eficiência operacional do sistema elétrico. “A maioria dos grandes operadores de data centers tem políticas próprias de ESG [Ambiental, Social e Governança]. E quando a gente fala do E, do environment, principalmente, a indústria já trabalha buscando esse E. Porque significa ser eficiente, ser limpo, trabalhar sem agredir a camada de ozônio”, afirma o vice-presidente da Associação Brasileira de Data Centers, Luis Tossi.

Em nota, o Ministério de Minas e Energia informou que segue atento à expansão da demanda e da oferta de energia elétrica no País, e que “do ponto de vista do planejamento e da comercialização, o setor elétrico brasileiro conta com mecanismos de proteção aos consumidores finais. Tais mecanismos garantem custos e qualidade de energia condizentes com as necessidades da sociedade”.

O tema segue em debate no País e no mundo e, certamente, irá pautar a agenda da economia digital nos próximos anos. Em recente audiência pública para discutir desafios e oportunidades dos data centers no Brasil, realizada pela própria Comissão de Ciência, Tecnologia e Inovação do Congresso, especialistas apontaram os desafios que estão por vir e que devem ser mantidos no radar: sustentabilidade, com redução de emissões de CO2 e uso eficiente da água; segurança energética; infraestrutura e impactos socioambientais locais; capacitação técnica da mão de obra; e a necessidade de um marco regulatório competitivo e transparente.

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