Inflação e taxa de juros altas desafiam o sistema financeiro global

Bancos centrais implementam ferramentas distintas para cumprir seus mandatos de inflação e estabilidade financeira

Por Mariam Dayoub, CFA charterholder e mestre em Administração Pública pela Universidade Columbia

Após um período prolongado de taxa de juros baixas mundo afora, ainda que com algum atraso por terem inicialmente caracterizado o surto inflacionário corrente como “transitório”, os bancos centrais reagiram às taxas de inflação mais altas das últimas quatro décadas com uma elevação forte e rápida dos juros. 

Nos Estados Unidos, o Federal Reserve (Fed), banco central americano, subiu a taxa de juros em quase cinco pontos percentuais desde março de 2022, na campanha de aperto monetário mais intensa desde a década de 1980. Porém, a inflação, dados os impactos variáveis e cumulativos da política monetária, permanece elevada e distante da meta de 2%. 

Sempre que o Fed embarcou em um ciclo de aperto monetário, houve episódios de estresse ou crises no mercado financeiro subsequentemente. Geralmente, o maior impacto ocorre em entidades alavancadas. Alguns exemplos são: a crise de dívida externa da América Latina (1982), o estouro da bolha da internet (2000) e a crise do subprime (2007). 

Desta vez, após fortes quedas nos preços das ações de crescimento e altas nas taxas de juros de mercado em 2022, tremores foram sentidos no sistema bancário americano. Em março de 2023, ocorreram a segunda, a terceira e a quarta maiores falências bancárias da história dos EUA, concomitantes ao colapso de um grande banco suíço. 

Os problemas nesses bancos regionais americanos não ocorreram por perdas nas concessões de crédito, mas por má gestão de risco e fragilidades em seus modelos de negócio. Ademais, hoje, a tecnologia permite que correntistas saquem seus depósitos de instituições financeiras com um toque nos aplicativos, o que aumenta exponencialmente a velocidade de corridas bancárias. Nos casos desses bancos, isso foi potencializado por publicações em redes sociais. Ficou claro que a revolução tecnológica e digital transformou o mercado bancário global.

O pilar que sustenta o setor bancário é a confiança. Quando abalada, seus impactos são sentidos por toda a economia. Dadas as cicatrizes deixadas pela crise financeira global de 2008 a 2009, os reguladores do sistema financeiro, que falharam na supervisão dos bancos que quebraram em 2023, agiram rapidamente para impedir que esses eventos se tornassem sistêmicos. Nos EUA, além da janela de redesconto, o Fed criou um programa para prover liquidez aos bancos, aceitando títulos públicos no valor de face como colateral. Com essas medidas, os saques de depósitos por correntistas do sistema bancário e o uso desses programas disponibilizados pelo Fed se estabilizaram. 

O episódio de 2023 evidenciou a separação de instrumentos utilizados pelos bancos centrais para o cumprimento de seus objetivos de controle de inflação, via taxa de juros, e de estabilidade financeira, via implementação de medidas macroprudenciais. Essa separação é válida enquanto crises financeiras ou bancárias não se transmitem para a economia de forma mais intensa.

No Brasil, o Comitê de Política Monetária (Copom) seguiu os pares globais. Em sua comunicação recente, o Copom avaliou que “a melhor contribuição da política monetária segue sendo no combate a pressões inflacionárias e na suavização de flutuações econômicas” e ressaltou a separação de instrumentos entre os dois objetivos.

Historicamente, estresses no sistema financeiro levaram a apertos de crédito nas economias. Neste episódio contemporâneo, todavia, o pano de fundo é relativamente saudável. No agregado, tanto as famílias quanto as empresas estão com balanços mais robustos, o que limita o impacto do choque. Contudo, ele será transmitido nos trimestres à frente, com a restrição de crédito impactando a atividade, equivalente a um aperto adicional da política monetária.

Membros do Fed têm indicado que, isso posto, o banco central encerrará seu ciclo de aperto monetário com uma taxa de juros aquém do esperado antes do choque bancário, porém com manutenção de taxas de juros elevadas por um período prolongado. Esse modus operandi segue o Copom, que antecipou o ciclo de aperto monetário comparado aos pares e mantém uma postura paciente neste segundo estágio do processo de desinflação, que requer moderação da atividade para atuação dos canais de transmissão da política monetária.

Tanto lá quanto cá, para antecipar o ciclo de afrouxamento da política monetária, o impacto dos choques transmitidos pelo sistema bancário terá de ser mais profundo do que o esperado pelas autoridades monetárias, levando a uma desinflação mais intensa, simultânea ao aumento da taxa de desemprego. 

Diante dos múltiplos desafios, os bancos centrais indicam que seguirão atuando com paciência e serenidade para garantir que, nos próximos anos, a inflação retorne para níveis próximos às metas, em um ambiente com expectativas ancoradas e com reformas em prol da estabilidade financeira.

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