Horizonte nuclear

Especialistas veem investimentos em pequenos reatores como alternativa a combustíveis fósseis

Por Luís Filipe Pereira

No debate tão premente sobre transição energética, o Brasil muitas vezes é citado como bom exemplo entre as nações com matriz elétrica amplamente formada por fontes renováveis. Por outro lado, a utilização de combustíveis como petróleo e gás na geração de energia mostram que ainda há um longo caminho em direção à sustentabilidade.

“A pesquisa pode agregar bastante valor se nós considerarmos a geração nuclear como parte importante de transição e segurança energética que o País está se propondo a assumir até 2050”, sugeriu o coordenador-geral de Ciências e Tecnologia Nuclear da Diretoria de Pesquisa e Desenvolvimento da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), Leslie de Molnary, durante audiência pública realizada na Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados, em junho.

Segundo projeção elaborada pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), o consumo de energia no Brasil deverá crescer em média 2,1% ao ano até 2034. Lembrando que, no âmbito do Acordo de Paris, o País se compromete a reduzir as emissões de gases de efeito estufa nos próximos anos, e limitar a queima de combustíveis fósseis pode ser um passo importante.

Financiamentos via Banco Mundial

No desenho das opções para um futuro mais sustentável, a energia nuclear também pode facilitar a atração de investimentos. Recentemente, a XP Investimentos divulgou em relatório que o fim da proibição ao financiamento de projetos de energia nuclear em países em desenvolvimento, pelo Banco Mundial, pode potencializar o acesso a financiamento de longo prazo e baixo custo e representar uma mudança de política significativa em meio à crescente demanda global por energia. 

Como requisito principal, o Banco Mundial estabelece que os recursos devem ser destinados à extensão da vida útil dos reatores existentes; modernização da infraestrutura elétrica; e desenvolvimento de pequenos reatores modulares (SMRs, na sigla em inglês), que operam a partir de nova tecnologia considerada mais econômica em comparação com usinas nucleares convencionais de grande porte. 

“Esperamos que a mudança na política do Banco Mundial fortaleça o racional de investimento em energia nuclear nos mercados emergentes, representando um impulso para empresas da cadeia de valor global do setor — de desenvolvedores de SMRs a operadores de reatores e fornecedores de combustível”, diz trecho do relatório.

Angra 1 e 2

Nos Estados Unidos, após determinação recente de Donald Trump para quadruplicar a capacidade de energia atômica até 2050, o Departamento de Energia deve direcionar esforços para construir dez grandes reatores nos próximos cinco anos.

Aqui no Brasil, Angra 1 foi a primeira usina nuclear. Adquirida por meio de uma parceria com os EUA, a unidade fica em um complexo na Costa Verde do Rio de Janeiro e entrou em atividade no fim da década de 1980. Segundo a Eletronuclear, empresa responsável pela operação, a usina gera energia suficiente para suprir a demanda de uma cidade de dois milhões de habitantes. O mesmo local abriga a usina Angra 2, em funcionamento desde 2001, que opera a partir de tecnologia alemã.

Já a conclusão de Angra 3 permanece como grande ponto de interrogação. As obras estão 66% terminadas e já receberam mais de R$ 12 bilhões em investimentos. Para terminar a construção seriam necessários mais R$ 23 bilhões, de acordo com estudo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Como parte integrante do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares desde 1998, o Brasil faz parte das nações que promovem o desarmamento nuclear. O País também integra uma zona livre de armas nucleares na América Latina e Caribe, o que proíbe qualquer fabricação ou teste de armamentos na região.

Canadá pode ser parceiro?

Atualmente, há 19 países no mundo que contam com projetos focados no desenvolvimento de pequenos reatores nucleares. Durante evento na Câmara de Comércio Brasil-Canadá, em São Paulo, o embaixador brasileiro no Canadá, Carlos França, destacou o potencial de eventuais parcerias no setor, dado o engajamento do país norte-americano por meio da estatal Ontario Power Generation, que trabalha para iniciar a operação de pelo menos três novos reatores até 2035.

Ao citar projetos nas províncias de Ontário e de New Brunswick, França afirmou que os dois países podem promover a integração de cadeias de valor, em um movimento que pode ganhar impulso a partir de um encaminhamento positivo do acordo comercial entre Canadá e Mercosul, cujas negociações foram iniciadas há sete anos.

“O Canadá não tem capacidade de enriquecimento de urânio, e o Brasil é um dos 13 países do mundo que dominam esse ciclo completo. Precisamos de uma adaptação legislativa e também temos que receber investimentos”, apontou o embaixador brasileiro.

Radar legislativo

Em junho, a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), anunciou um contrato no valor de R$ 30 milhões, que pode ser o pontapé inicial para uma participação brasileira mais marcante no setor. Para a execução do projeto, a estatal Indústria Nucleares do Brasil (INB) vai atuar em parceria com duas empresas privadas: a Diamante Geração de Energia e a Terminus Pesquisa e Desenvolvimento.

“Você pode construí-los em linha de montagem. Eles também têm essa flexibilidade financeira, com um comprometimento menor de recursos. Eles acabam sendo menores e mais simples de operar, além de ter maior vida útil”, apontou o professor Giovanni Laranjo de Stefani, chefe do Departamento de Engenharia Nuclear (DNC) da Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em participação na Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados.

No Legislativo, há projetos sobre novos critérios e requisitos para a escolha de locais para construção e instalação de usinas nucleares e SMRs. E pelo menos uma matéria sugere a abertura do mercado e a retirada do monopólio estatal no processo de construção e operação de reatores para fins de geração de energia elétrica. Por outro lado, a falta de informação entre os parlamentares é vista nos bastidores como uma das barreiras para o avanço das pautas, já que deputados e senadores acabam erroneamente relacionando o tema a uma possível proliferação de armas nucleares.

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