- Entrevista
- 02.12.2024
- Redação
Homem de confiança
Jaques Wagner vê educação política do povo como chave para afastar aventureiros da política
Por Luís Filipe Pereira
Líder do governo no Senado Federal, Jaques Wagner é, a princípio, um defensor do diálogo como mecanismo imprescindível para a boa política baseada na busca da construção de consenso e da análise minuciosa de diferentes pontos de vista antes de qualquer decisão. Na visão dele, o modelo de presidencialismo de coalizão não está desgastado, mas a dicotomização atual prejudica o debate político. “A vida é muito mais degradê do que branco e vermelho”, definiu durante encontro realizado pela Esfera Brasil em São Paulo.
Filho de imigrantes poloneses que vieram ao Brasil para fugir do nazismo, Wagner nasceu no Rio de Janeiro e se mudou para Salvador após ser perseguido por sua atuação política durante o regime militar. Na capital baiana, o então estudante de Engenharia traçou seu caminho na política, exercitando habilidades de negociação e articulação que o levariam, anos mais tarde, ao centro do Poder. Eleito deputado federal seguidas vezes na década de 1990, chegou ao Palácio de Ondina para comandar o estado da Bahia, pela primeira vez, em 2006, sendo reeleito quatro anos depois. Nas eleições de 2018, recebeu mais de quatro milhões de votos do povo baiano na disputa que o levou ao Senado, onde exerce a liderança do governo atualmente.
A proximidade com Lula vem dos tempos de sindicato dos petroquímicos, há quatro décadas, quando atuou na defesa dos direitos dos trabalhadores do setor. Desde então se tornou conselheiro e homem de confiança do presidente. Com o passar dos anos, recebeu do amigo o apelido de “Galego”, comum a quem carrega pele clara e olhos azuis. Na visão dele, Lula é um “social democrata clássico”, com grande preocupação com a justiça social do País e sem qualquer tipo de contraposição ao sucesso da livre iniciativa. Em entrevista exclusiva à Revista Esfera, ele faz uma análise sobre a influência das redes sociais no cenário político e apresenta seu ponto de vista sobre eventuais dificuldades de interlocução do Executivo com o Congresso Nacional.
Muito se fala sobre o esgotamento do modelo chamado presidencialismo de coalizão, cunhado pelo cientista político Sérgio Abranches. O senhor vê algum modelo como alternativa para o futuro próximo?
Não vejo esgotamento desse modelo. Houve uma modificação no relacionamento entre Executivo e Legislativo a partir do aumento do valor atribuído ao Congresso para indicação de emendas ao Orçamento da União. Esse processo se intensificou na gestão anterior do governo federal e tirou do presidente da República e dos ministros o controle sobre boa parte dos recursos públicos, estimados hoje em 20% a 25% do total de investimentos do País. No resto do mundo, esse índice não chega a 4%. Esse novo modelo gera o que há de pior no uso do dinheiro público, que é a pulverização.
Sou do tempo em que os governadores definiam com suas bancadas os projetos prioritários. Hoje, cada um manda para onde quer, sem nenhuma articulação. Não me parece o melhor caminho. Por isso, chegamos a um novo acordo entre os Três Poderes, que está em processo de formatação, para que os parlamentares, ao indicar suas emendas, passem a escolher a partir de um cardápio de programas e projetos prioritários. Assim, todos saem ganhando: os parlamentares continuam indicando as emendas, o governo federal poderá acompanhar essas destinações, e a população será beneficiada com iniciativas que visam ao bem da coletividade.
Como um político experiente e experimentado diante dos mais diferentes cenários, quais são as principais diferenças dos outros dois mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva em comparação a este momento, principalmente do ponto de vista da relação com o Congresso?
Vejo um presidente ainda mais aberto ao diálogo, à colaboração, à parceria com todos, principalmente o Congresso, para que nosso país reencontre o caminho do crescimento econômico, do desenvolvimento tecnológico, da geração de emprego com aumento da renda e da sustentabilidade ambiental, além do protagonismo mundial. Depois de tudo o que ele passou entre os dois primeiros mandatos e o atual, me parece que o presidente Lula está ainda mais consciente sobre a necessidade de manter e ampliar as mesas de negociação.
Ele sabe que o governo precisa garantir um ambiente de estabilidade econômica e social para que a população brasileira melhore de vida, tenha acesso à saúde, educação, trabalho. Mas isso só acontece com o engajamento de todos os atores, seja do público, seja do privado, empresários de todas as áreas, setor financeiro, autoridades federais, estaduais e municipais. E vejo o presidente muito determinado a erradicar a fome no País, mais uma vez, e a fazer as entregas do governo à população. Foi essa disposição para o diálogo que nos permitiu aprovar iniciativas fundamentais para pavimentar esse caminho, que começou antes mesmo da posse, com um grande acordo em torno da PEC [Proposta de Emenda à Constituição] da Transição, que viabilizou o governo em 2023, e, depois, com a nova regra fiscal e com a reforma tributária.
Qual é a principal dificuldade na articulação política do governo hoje em dia?
Vejo que essa mudança no processo das emendas parlamentares enfraqueceu o debate em torno de um projeto político de longo prazo. A pulverização dos investimentos acaba atingindo o planejamento de uma grande obra, de um grande projeto, que beneficie várias cidades, várias regiões. Por tabela, isso se reflete nas negociações, que se tornam ponto a ponto, projeto a projeto, além de abrir espaço para pautas que alcançam uma dimensão mais ideológica, acirrando a polarização política. E quando vira esse Fla-Flu — ou esse Ba-Vi — político, a chance de dar problema é maior. Na democracia, ninguém sai 100% vitorioso. O desafio é encontrar o caminho do meio, do consenso.
O senhor imagina que os partidos atuais do sistema político brasileiro representam efetivamente os anseios da população? E quanto à difusão das redes sociais: prejudica ou aprofunda o sistema de representatividade da política brasileira?
São poucos os partidos com uma base social sólida. Tenho orgulho de estar no mesmo partido desde a sua fundação, que foi o resultado de uma grande mobilização popular e, até hoje, está estruturado a partir da militância. Partidos como o PT são raros, no Brasil e no mundo, mas isso não tira a legitimidade dos demais, que seguem todas as regras legais, se submetem à vontade popular e conquistam seus espaços na política.
Com relação às redes sociais, elas foram responsáveis por uma mudança de comportamento dos políticos e dos eleitores, para o bem e para o mal. Ao mesmo tempo em que elas podem ser usadas como estímulo à participação popular nos ambientes políticos, acabam também sendo usadas, infelizmente, para desmerecer a própria política, para a disseminação de mentiras, do ódio e da violência. Daí a necessidade de criarmos regras claras para o uso saudável e democrático desse ambiente virtual.
Dado o avanço de governos autoritários mundo afora nos últimos anos, o senhor se considera otimista com a democracia brasileira para o futuro ou existe alguma tendência de esgarçamento do tecido político?
O esgarçamento já está em curso há alguns anos, aqui e no mundo, e o Brasil foi levado ao centro desse processo quando elegeu presidente alguém que se dizia ‘fora do sistema’, mas que participava dele havia 30 anos. Encaramos o desafio de frear o avanço desse processo e fomos vitoriosos. Passamos um ano reconstruindo a rede de proteção social, que estava desfeita. Ao mesmo tempo, aprovamos os projetos estruturantes, para que o País consiga se reerguer. E já estamos no caminho certo, como mostram os números, com a geração de emprego, aumento da renda, inflação controlada e PIB [Produto Interno Bruto] em alta.
Então, sim, estou otimista com o futuro do Brasil. Agora, temos a missão de mostrar ao povo que num governo sério como o nosso não tem lugar para bravata, mentira, provocação. O que tem é muito trabalho, muita conversa e muito foco para colocar as coisas nos eixos. A missão é comunicar à população que esse é o caminho e que só com a política fortalecida pela participação da sociedade conseguiremos mudar a realidade e impediremos que a democracia seja colocada em risco por grupos que se dizem salvadores, mas que tendem ao autoritarismo.
O senhor enxerga necessidade de uma reforma eleitoral nos próximos anos? Um mandato de cinco anos, unificando a duração dos cargos executivos, seria uma alternativa?
Já há uma proposta em debate no Congresso, que pode ser analisada ainda neste ano. Vejo um ambiente favorável para mudanças no sistema eleitoral. Pessoalmente, considero a melhor solução a coincidência das eleições e apenas um mandato de cinco anos, sem reeleição. Do jeito que é hoje, quando acaba uma eleição, já se começa a pensar na próxima, dali a dois anos. Isso não acaba nunca, além de reduzir o ritmo de renovação de quadros na política, que é essencial. Mas ainda há muito o que se discutir em relação ao tema.
O historiador José Murilo de Carvalho aponta a ausência de povo como o pecado original da República. O senhor considera que o brasileiro carece de mais educação política?
Pecado original ou não, o fato é que, ao longo das décadas, a população foi se interessando cada vez mais pela política, muito em razão das turbulências vividas no País, como os períodos de ditadura. A mobilização popular pelas eleições diretas, por exemplo, mostrou o poder que a população tem. A Constituição de 1988 foi resultado também desse movimento, um texto elaborado com intensa participação social. É verdade que a educação política ainda é falha, mas já avançamos muito.
Precisamos aproveitar o alcance das redes sociais para atrair o interesse da juventude pela política como instrumento de melhoria das condições de vida, de geração de oportunidades para todos, de justiça social, econômica e tributária, de redução das desigualdades, de sustentabilidade ambiental.
Sem essa educação política com estímulo à participação, as portas dos gabinetes onde se tomam as decisões que mexem na vida de todo mundo ficam escancaradas para aventureiros, enganadores e exploradores da fé alheia, sem projetos nem planos para o futuro, apenas com discurso vazio e voltado para ‘lacrar’ nas redes. Esse é o maior perigo gerado pelo afastamento da população da política.