
- Política
- jul | 2025
- Redação
Há 160 anos, Epitácio Pessoa
A trajetória do presidente que marcou a mudança da República Velha para o novo modelo
Em 22 de maio de 2025, o Senado Federal reuniu lideranças políticas, religiosas e familiares em uma sessão solene para homenagear os 160 anos do nascimento de Epitácio Lindolfo da Silva Pessoa, único paraibano a exercer a Presidência da República. Na ocasião, o senador Efraim Filho destacou “a perenidade de seus valores”, lembrando não apenas das grandes obras de infraestrutura e do pioneirismo na radiodifusão, mas do compromisso com o Nordeste e o desenvolvimento nacional.
Para resgatar a importância desse ilustre personagem da política brasileira e compreender melhor seu legado — desde os 200 açudes construídos até a primeira transmissão radiofônica em 1922 —, a professora Monique Cittadino, do Departamento de História da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), analisa a trajetória de Epitácio Pessoa como 11º presidente — entre 1919 e 1922 —, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), procurador-geral da República, senador e diplomata.
Segundo Cittadino, compreender a trajetória de Pessoa envolve duas dimensões fundamentais: seu mérito pessoal e as circunstâncias políticas que o cercaram. “A primeira, sem dúvida nenhuma, deve-se a ele próprio, ao seu brilhantismo, à sua inteligência, sua grande capacidade intelectual como jurista, sua capacidade política de articulação”. Epitácio Pessoa fazia parte da chamada “geração dos 80” da Faculdade de Direito do Recife, reconhecida pelo alto nível dos seus egressos, e usufruía de importante origem familiar. “Ele era sobrinho do Barão de Lucena. Epitácio ficou órfão de pai e mãe muito jovem, criança ainda, e foi criado pelo Barão de Lucena, em Recife”.
O Barão de Lucena, forte figura política pernambucana, teve papel crucial na ascensão de Pessoa. “Grande parte da sua trajetória, sem dúvida nenhuma, deveu-se à influência do tio.” Foi ele quem indicou o estadista para seu primeiro grande cargo político: secretário de Estado de Venâncio Neiva, presidente do estado da Paraíba, em 1889.
Em 1890, Pessoa foi eleito deputado federal ainda muito jovem — tinha apenas 24 anos. O País enfrentava uma grande reviravolta com a queda de Deodoro da Fonseca, aliado político de Venâncio Neiva. “Quando Floriano Peixoto ascende à Presidência, todos os governadores caem. Venâncio Neiva caiu. Mas Epitácio estava eleito para a Câmara Federal. Essa eleição ficou valendo”, conta Cittadino. Sua atuação como deputado deu a ele grande visibilidade. Participou ativamente da Assembleia Nacional Constituinte, ao lado de Campos Salles. Com a queda da oligarquia a que estava vinculado na Paraíba, Pessoa fez uma escolha estratégica. “Qual foi a opção extremamente inteligente de Epitácio? Construir a sua carreira política não mais no âmbito estadual. Ele partiu para construir sua carreira política pelo alto.”
Epitácio assumiu o Ministério da Justiça durante o governo de Campos Salles, de 1898 a 1901. Depois, tornou-se procurador-geral da República entre 1902 e 1905 e Ministro do Supremo Tribunal Federal por dez anos, de 1902 a 1912.
A eleição para presidente
Monique Cittadino explica que a eleição de Epitácio Pessoa, ocorrida enquanto ele ainda estava fora do País — na França, onde participava da Conferência de Paz de Paris —, é reflexo de como funcionava a política na Primeira República: “Era uma política completamente excludente de participação popular”. O sistema político era tão fechado que “o comparecimento percentual da população que tinha direito ao voto na Primeira República era baixíssimo”.
Ao tratar da conhecida Política do Café com Leite, Cittadino afirma que a visão de um revezamento automático entre Minas Gerais e São Paulo na Presidência da República foi superada pelos estudos mais recentes. “A ideia da alternância entre Minas e São Paulo na Presidência, hoje em dia, sobretudo após o trabalho de Cláudio Viscardi, está afastada. É uma tese equivocada”, destaca. As articulações políticas daquele período eram muito mais complexas, e não havia uma aliança automática entre Minas Gerais e São Paulo. Na verdade, Minas não fechou com São Paulo.
Com a morte do presidente eleito Rodrigues Alves, abriu-se um processo de costura política em busca de um novo nome. “São Paulo queria que fosse o seu próprio presidente de estado”, comenta. Nesse contexto, Rio Grande do Sul apresenta o nome de Epitácio Pessoa, e Minas Gerais dá o apoio necessário.
A gestão
Epitácio Pessoa assumiu a Presidência em um momento de grandes tensões sociais e econômicas no Brasil. “O País está passando por uma fase de ampla industrialização, crescimento urbano em função da necessidade de abrigar e albergar esse operariado crescente, mas submetido às condições mais terríveis de trabalho”, elucida Cittadino. As jornadas laborais chegavam a ultrapassar 16 horas, com “trabalho feminino em péssima condição e, sobretudo, a questão do trabalho infantil”. O Brasil enfrentava, ainda, uma grave crise econômica, como conta a historiadora: “Era uma conjuntura econômica muito difícil de inflação, déficits financeiros, empréstimos externos. O País sempre endividado, com contratos de fundos em longo prazo que se repetiam”.
Esse cenário resultou em sucessivas greves, cujos movimentos mais expressivos ocorreram entre 1917 e 1919, sob forte influência dos anarquistas. “Epitácio vai lidar com essas greves operárias com repressão violenta. Prisões, jornais empastelados, jornalistas perseguidos”, afirma, destacando que a Lei Adolfo Gordo, sancionada por Pessoa em janeiro de 1921, tornou-se um dos símbolos dessa repressão. “Atingia os trabalhadores vindos de fora, que poderiam ser deportados e tudo mais. Sem dúvida nenhuma, foi uma lei extremamente dura com a classe trabalhadora.” O governo também promoveu o fechamento de sindicatos e associações e proibiu a organização dos trabalhadores.
O caminho para a mudança
Epitácio enfrentou ainda problemas quanto à sua autonomia como governante, de acordo com Cittadino, tendo sido tolhido pelas oligarquias estaduais, especialmente as do Sudeste, em muitas iniciativas que buscou implementar. Contudo, a sociedade brasileira apresentava sinais de transformação e complexificação social, com o crescimento das camadas médias urbanas e o surgimento de novas demandas. Nesse contexto, o papel dos militares ganhou destaque. Desde o Império, os militares já atuavam como agentes políticos. Durante a década de 20, essa atuação se intensificou, como exemplifica a Revolta do Forte de Copacabana, em 1922.
É o primeiro momento, depois de um intervalo razoável de mais de uma década, em que os militares retornam ao cenário político. Esse episódio inaugura o movimento conhecido como “tenentismo”, que ganharia força nas mobilizações de 1924 e 1926, com a Coluna Prestes, e culminaria na Revolução de 1930. “Os tenentes ascendem ao poder, obviamente não na linha de frente — esta caberia a Getúlio Vargas —, mas com uma projeção política extremamente importante no pós-30 imediato”, relata Cittadino. O tenentismo, portanto, já indicava o esgotamento do modelo político da República Velha.
Embora Epitácio Pessoa não tenha rompido diretamente com as estruturas do sistema vigente, seu governo se insere num momento de crescente contestação. Além da movimentação militar, a década de 1920 trouxe transformações culturais e políticas profundas, como a Semana de Arte Moderna de 1922 e a criação do Partido Comunista do Brasil. “A perspectiva de que apenas a elite dominante, uma oligarquia agroexportadora, centralizada no Sudeste, garantisse e representasse todos os interesses do País, já estava claramente sendo colocada em questão.” Assim, embora o mandato de Pessoa não tenha, por si só, promovido mudanças estruturais, ele se tornou símbolo de um período de transição, no qual os limites da Primeira República brasileira estavam cada vez mais evidentes, e o fim do regime já se desenhava no horizonte.