Com o BNDES nos bastidores, Brasil pode liderar transição energética

Maior financiador de energia renovável do mundo, banco investe em novos fundos e aguarda aprovação do PL 5.719/2023 pelo Congresso

Por Françoise Terzian

O Brasil encontra-se diante de uma janela de oportunidade rara, como nenhuma outra vista nos últimos 50 anos. A real chance que o País tem de liderar a transição energética global é fruto de uma combinação de recursos naturais com políticas públicas conduzidas no passado, o que faz de nós uma economia única, com uma matriz elétrica 88% renovável e energética 47% renovável. “Estamos alguns anos à frente das outras grandes economias, como Estados Unidos, Europa e Japão, no que se refere à matriz elétrica e energética. Agora, precisamos dar o próximo passo”, afirma Luciana Costa, diretora de Infraestrutura, Transição Energética e Mudança Climática do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Com uma posição geopolítica privilegiada, dimensões continentais, democracia jovem e estabelecida e, ainda, uma evolução de arcabouços regulatórios de diversos setores de infraestrutura, inclusive de energia, Costa explica que atingimos uma posição única. “A gente dialoga com o Sul Global, com os EUA, com a China, e isso é muito importante, porque a transição energética não é localizada, tem que ser global. Atores globais têm que jogar esse jogo”, explica.

A transição energética, lembra, não é só no Brasil. “Ou o mundo faz, ou a gente não faz. E isso não está acontecendo ainda. O Brasil, no entanto, pode liderar esse diálogo. E o presidente Lula é essa pessoa”, avalia a diretora. A saída gradativamente parcial dos combustíveis fósseis para as fontes renováveis é longa e demanda cooperação, e o País é a autoridade mais apropriada para liderar esse diálogo, já que tem experiência e energia renovável barata, a um custo nivelado de US$ 25 a US$ 30, ante a média mundial de US$ 50. 

O Brasil começou a escalar energia solar e eólica no início dos anos 2000, após o apagão no fim do governo de Fernando Henrique Cardoso. Com a grave crise energética devida às chuvas escassas, aumento da demanda e falta de investimentos em geração e transmissão de energia, o País percebeu, naquele momento, que não poderia ficar dependente das hidrelétricas para sempre — foi assim que surgiu o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas (Proinfa).

Por segurança energética, optou-se por investir em alternativas renováveis que custavam mais caro na época. Hoje, enquanto o mundo corre atrás de algo iniciado aqui há mais de 20 anos, nossa energia eólica e solar é uma das mais baratas do mundo. E os investimentos não param por aí: “Para sair do combustível fóssil, o hidrogênio verde será muito importante. Algumas indústrias precisarão dele, e ele será produzido a partir de eólica e solar. Nós, em 2030, segundo a Bloomberg, teremos o hidrogênio verde mais barato do mundo”, aponta Luciana.

Reindustrialização de base verde

Todo esse potencial energético permitirá que o País se reindustrialize em bases verdes. “Diante das mudanças geopolíticas no mundo e da reorganização das cadeias, o Brasil, que é neutro, pode atrair indústrias intensivas em energia”, observa Luciana Costa.

O Brasil também é atraente em virtude das reservas de minerais críticos. A busca global por energia limpa acelerou a busca por minerais críticos para a transição energética, como o lítio, o cobalto, o níquel e o cobre. “O Brasil é uma ponte crucial para a transição de metais, uma vez que tem grandes reservas”, comenta a diretora do BNDES. Esses minerais desempenham um papel crucial em tecnologias de energia renovável, como células solares fotovoltaicas, energia eólica, armazenamento de baterias e veículos elétricos. “O minério está onde está a mina e, diferentemente de outros países com problemas de guerra civil e autocracia, temos aqui reservas minerais e estabilidade geopolítica.”

Ao lado do Ministério de Minas e Energia (MME), o BNDES lançou, em março, durante o Prospectors & Developers Association of Canada (PDAC), principal convenção de mineração e pesquisa mineral do mundo, o calendário de atividades do Fundo de Investimentos em Participações (FIP) Minerais Estratégicos no Brasil. Em maio, está prevista a abertura da seleção pública dos projetos que se encaixam no escopo do financiamento. O resultado dos pedidos de financiamento deve ser anunciado em outubro.

Além de trazer investimentos e parceiros estratégicos, o fundo tem como objetivo estimular uma mineração sustentável. Ainda neste ano, de acordo com o ministro Alexandre Silveira, os projetos que corresponderem a todos os critérios do BNDES estarão com dinheiro para o desenvolvimento das atividades.

“O fundo de minerais críticos reforça a estratégia do BNDES de atuar em parceria com a iniciativa privada na captação de recursos para uma área estratégica para o País. A liderança internacional do presidente Lula abriu uma janela histórica de oportunidades, e a exploração sustentável dos minerais críticos será fundamental para colocar o Brasil na liderança global da transição energética”, ressaltou na mesma época o presidente do banco, Aloizio Mercadante.

O FIP Minerais Estratégicos vai mobilizar mais de R$ 1 bilhão, além de viabilizar novos empreendimentos de minerais considerados estratégicos para a transição energética, descarbonização e produção sustentável de alimentos.

Segundo o plano de trabalho desenvolvido pelo BNDES, espera-se que o FIP invista em 15 a 20 empresas com projetos de pesquisa mineral, desenvolvimento e implantação de novas minas de minerais estratégicos no Brasil. O BNDES vai aportar até R$ 250 milhões no fundo, com participação limitada a 25% do total, enquanto são  esperados outros investidores nacionais e internacionais.

Brasil precisa dobrar investimentos

Diante do cenário favorável para o Brasil e do enorme potencial de investimento em infraestrutura, a urgência recai sobre investimentos em portos, canalização (pipeline) e saneamento. “Hoje, a gente investe um pouco mais de R$ 200 bilhões por ano em infraestrutura e energia. Temos que dobrar para R$ 400 bilhões”, diz Luciana Costa. Em 2023, o aporte exato foi de R$ 213 bilhões, valor que tende a crescer neste ano. “A gente vai dar certo ou mais certo”, acrescenta.

A transição energética e ecológica está na estratégia do BNDES. “Nos últimos 20 anos, o BNDES foi o [banco] que mais financiou energia no mundo”, afirma a diretora. De 2004 a 2023, o BNDES liderou os financiamentos em energia renovável, aportando US$ 36,4 bilhões. Do montante, a maior parte foi destinada à energia eólica, representando US$ 19,2 bilhões. 

Recentemente, o BNDES anunciou um investimento de R$ 500 milhões em um fundo de crédito para infraestrutura gerido pelo Pátria Investimentos. Os recursos financiarão projetos nos setores de energia, saneamento, logística e transporte, mobilidade urbana e telecomunicações. O fundo tem foco em pequenos e médios projetos, em especial no modelo project finance non-recourse. “A gente faz o nosso dinheiro chegar mais longe através dos fundos”, avalia.

PL 5.719/2023

O Projeto de Lei (PL) 5.719/2023, em análise no Congresso Nacional, traz de volta à pauta um desejo antigo do BNDES e dos exportadores brasileiros: normatizar o financiamento das exportações de bens e serviços pelo banco. “É nosso desejo financiar clientes brasileiros no exterior, só que a gente não pode. O BNDES está proibido. A gente tem que esperar a lei passar. Isso depende do Congresso. É o tempo da democracia”, relata Costa, que complementa que as grandes economias possuem agências de fomento que financiam os clientes no exterior.

“Os clientes brasileiros precisam acessar mercados globais. A Coreia tem, a Inglaterra tem, os países nórdicos têm os bancos de fomento. A gente precisa ter também. Para as nossas empresas serem competitivas globalmente, elas precisam do apoio de um banco de fomento como o BNDES. O banco de fomento não precisa financiar exportação de commodities, mas de serviços e equipamentos complexos, que obviamente têm mais valor agregado.” Para tanto, ela garante que o banco tem balanço, capacidade e capital.

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