A nova estratégia do governo para tentar cumprir o déficit zero

Em março, ministro da Fazenda anunciou bloqueio de R$ 2,9 bilhões do Orçamento; para Felipe Salto, cenário agora é mais “realista”

Por Andrezza Pugliesi

Arcabouço fiscal, redução na Selic, crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e no desemprego são alguns dos principais movimentos econômicos no Brasil neste primeiro trimestre. Na política, o cenário foi ainda mais agitado, com quebras de sigilo, prisões e operações em âmbito nacional.

O fim do recesso parlamentar, em fevereiro, trouxe luz aos primeiros passos da reforma tributária, aprovada após 30 anos de discussão no Congresso. Agora, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenta equilibrar a balança para encontrar consenso nos pontos a serem regulamentados. 

No primeiro momento, há a expectativa de três pontos a serem elaborados, como o mecanismo de cashback para a população mais vulnerável. Ao todo, a efetivação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) depende da regulamentação de 71 pontos.

O primeiro grande movimento realizado pelo Ministério da Fazenda foi o bloqueio de R$ 2,9 bilhões do Orçamento para este ano em gastos discricionários, aqueles não obrigatórios, como recursos para custeio e investimentos. A manobra, conforme o ministro Fernando Haddad, da Fazenda, é para “cumprir tanto a meta de déficit fiscal zero como o limite de gastos estabelecido pelo novo arcabouço fiscal”.

“O governo tornou o Orçamento mais realista ao promover o bloqueio, pois deriva de revisões corretas nas projeções de despesas obrigatórias, sobretudo Previdência. Contudo, o relatório ainda contempla uma projeção cerca de R$ 20 bilhões inferior à nossa, por exemplo, na Warren. O bloqueio é um instituto usado para ajustar as despesas discricionárias, ao ritmo de execução das obrigatórias. Como estas últimas estão surpreendendo, foi necessário [o entrave] para fazer frente ao cumprimento do limite de gastos do novo arcabouço fiscal. Uma medida correta”, avalia Felipe Salto, economista-chefe e sócio da Warren Investimentos.

O contingenciamento, no entanto, pode chegar a R$ 23 bilhões, conforme já atestado por Haddad. Apesar da estimativa para 2024, a pasta trabalha em uma série de medidas para elevar a arrecadação e para as interrupções não serem necessárias — ou serem menores.

“Será preciso cortar gastos. O contingenciamento, pela LDO [Lei de Diretrizes Orçamentárias] deste ano, poderia ficar no máximo em R$ 26 bilhões. Em resposta à recente consulta da ministra Simone Tebet ao TCU [Tribunal de Contas da União], a área técnica do tribunal já assinalou que a limitação do contingenciamento prevista na LDO fere a Lei Complementar 200/2023. De todo modo, isso ainda terá de passar pelo crivo dos ministros do TCU. Suspeito que o resultado será favorável a manter o entendimento da LDO. Neste caso, o contingenciamento máximo seria mesmo de R$ 26 bilhões. Contudo, como a Previdência, a meu ver, segue ainda subestimada em R$ 20 bilhões, o corte total, ao fim e ao cabo, poderia ficar entre R$ 45 e 46 bilhões”, explica Salto. “Havendo uma recuperação mais forte da receita pública, caso o desempenho do primeiro bimestre seja replicado para todo o ano, então teríamos um quadro de resultado alinhado à meta zero, dado que se pode entregar um déficit de até R$ 28,8 bilhões, considerada a banda inferior da referida meta. Trocando em miúdos, haverá contingenciamento, não será pequeno, mas a estratégia de fazer pouco a pouco é boa, porque evita assustar o Congresso e a ala mais gastadora do próprio governo”, acrescenta o economista.

Haddad em destaque

O ministro é constante manchete nos principais portais brasileiros. Desde a posse, já havia apostas da sobreposição de imagem em relação ao presidente Lula. As previsões, na avaliação de Felipe Salto, estão se concretizando.

“Já esperava que a ‘ala do Haddad’ falasse mais alto nesse samba. E isso está acontecendo, porque o ministro mostra, a cada etapa da liturgia própria do processo orçamentário, que suas medidas vão prevalecendo. Isto é: primeiro, conseguiu aprovar uma série de ações para elevar a arrecadação, que começam a surtir resultado, a exemplo da MP 1.185, que terminou com o disparate que se tinha nas subvenções do ICMS; depois, apresentou um primeiro relatório orçamentário em uma boa direção, que traz maior realismo, ainda que siga otimista”, diz Salto.

Além do arcabouço fiscal, outras medidas já foram anunciadas para cumprir a meta fiscal do déficit zero. O pacote engloba desoneração da folha, mudanças no Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) e limitação da compensação tributária para decisões judiciais.

“Atualmente, na Warren, projeto ainda 0,78% do PIB ou R$ 90 bilhões de déficit primário para este ano. Contudo, entendo que aumentou a chance de a arrecadação vir melhorar ao longo dos próximos meses e, se isso se combinar aos mecanismos de bloqueio e contingenciamento, então, pode-se até imaginar um quadro de meta cumprida. O mais importante, contudo, é mantê-la o máximo possível, pois se trata da nova âncora de curto prazo, que está segurando todo o edifício do ajuste imaginado pelo Haddad. Sem ela, esse prédio ruiria”, afirma Salto.

Lula em declínio?

Recentes pesquisas mostram queda na popularidade do presidente. Levantamento recente realizado pelo Datafolha, divulgado em 21 de março, mostra crescimento na reprovação da gestão e empate com a aprovação.

Ao todo, o instituto entrevistou 2.002 brasileiros de 16 anos ou mais, em 147 municípios, nos dias 19 e 20 de março de 2024. A margem de erro é de 2 pontos percentuais para mais ou para menos.

Para Salto, o processo é normal, pois “após um período de deflação de alimentos, é comum assistirmos a alguma murcha na popularidade dos políticos, mas principalmente de quem ocupa a Presidência da República. Não vejo nada de mais nisso e, inclusive, acho natural. A economia está em um bom ritmo e, mantendo o curso na área fiscal, mantenho boas perspectivas para o médio prazo. Claro que o risco externo deve ser sempre mapeado, mas, mesmo em quadro mais pessimista, é importante lembrar que temos reservas elevadas e balança comercial robusta. Isso vale ouro.” 

Economia instável

O bom momento é perceptível, como a queda na Selic, que estimula o crédito para consumir e para investir no Brasil. 

“Entendo que, neste ano, o crescimento econômico não será tão alto como o do ano passado, mas a composição será melhor, justamente por esperar um investimento crescente. Essa tendência vai se confirmar, desde que se mantenha o rumo ditado pelo Haddad nas questões fiscais e tributárias. Aliás, deve-se destacar a vitória no Supremo Tribunal Federal (STF) em relação à Previdência [revisão da vida toda]. Desarmou-se — e vejo papel importante de argumentação técnica da Fazenda nisso — uma bomba de quase R$ 500 bilhões, segundo o Anexo de Riscos Fiscais da LDO de 2024”, analisa.

*PARA INFOGRÁFICO*

Tem que ficar perto do trecho “Lula em declínio?”

  • 35% consideram o governo ótimo ou bom, contra 38% em dezembro;
  • 33% avaliam a gestão como ruim ou péssima, contra 30% em dezembro;
  • 30% consideram o governo regular, mesmo percentual de dezembro;
  • 2% não souberam ou não opinaram, mesmo percentual de dezembro.
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