Após cabo de guerra, Perse é mantido, mas reformulado

Parte da pressão sobre o governo foi feita por Felipe Carreras, deputado autor do programa e porta-voz do setor na Câmara

Por Nina Gattis

Criado em 2021 diante das limitações impostas pela pandemia da Covid-19, o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) surgiu com o objetivo de atenuar os prejuízos dos serviços de hotelaria, cultura, restaurantes, espetáculos e similares naquele momento. Mas a necessidade do incentivo foi colocada à prova à medida que se solidificou a busca por um déficit fiscal zero em 2024.

A consequência? O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, encontrou no Perse uma solução para o aumento da arrecadação da receita. Do outro lado está o deputado federal Felipe Carreras, autor e defensor do Perse, que falou com a Revista Esfera sobre os desdobramentos do atual imbróglio em torno do programa.

Já em dezembro de 2023, a equipe econômica de Haddad chegou a sugerir o fim gradual do Perse até 2025, dois anos antes do previsto. Não tardou para que, no último dia útil do ano passado, o governo editasse a Medida Provisória (MP) 1.202/2023, que propunha a reoneração de 17 setores da economia, ainda a reoneração dos municípios, a extinção do Perse — e, portanto, da isenção tributária, da renegociação de dívidas e das indenizações ao setor — e a criação de um teto para compensação de créditos tributários. 

A MP não foi bem recebida pelo Congresso Nacional, cuja relação com o Planalto já estava desgastada depois de algumas outras MPs. Na intenção de frear mais possíveis rusgas, o governo revogou um trecho da MP, e o próprio Legislativo deixou outros perderem efeito. A desidratação não encontrou muita resistência de nenhuma das partes.

Até que, no fim de março, o líder do PT na Câmara dos Deputados, José Guimarães, apresentou o Projeto de Lei (PL) 1.026/24, a fim de substituir o que dizia respeito ao Perse na MP.

Com o novo PL, a ideia inicial do governo era reduzir de 44 para 12 os Códigos da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAEs) previstos no Perse, além da extinção gradual do programa até 2026.

  Depois de pressões do governo, o PL foi aprovado com pressa no plenário da Câmara, mas não sem antes sofrer alterações da relatora, deputada Renata Abreu. O governo conseguiu negociar a redução das CNAEs, que de um total de 12 saltaram para 30, e a Casa determinou um teto de R$ 15 bilhões de impacto até 2026, ou seja, R$ 5 bilhões por ano. Para 2024, ficou decidida a manutenção de 100% do benefício. Sem destaques, o texto foi aprovado no Senado Federal em regime de urgência. 

Após a MP, o tratamento do Perse via PL significou uma vitória? Por quê?

Sim, considero que a tramitação do Perse por meio de PL foi uma vitória significativa. O processo via PL possibilitou um debate mais amplo e aprimorado com o parlamento, o Executivo e as entidades ligadas aos setores. Não foi feito em uma ‘canetada’, mas construído por meio do diálogo. Foi um recuo do governo, respeitando a reivindicação do Congresso. 

Na sua opinião, por que o Perse virou um alvo da arrecadação? Acabar com ele era mesmo uma das únicas saídas? O que você faria, no lugar do ministro da Haddad, para aumentar a arrecadação?

Acabar com o Perse não era uma saída viável. Entendo o objetivo do ministro Haddad em aumentar a arrecadação, mas temos um rol de R$ 524 bilhões em incentivos fiscais no Brasil por ano, aprovado pelo Congresso por meio do PLOA [Projeto de Lei Orçamentária Anual]. 

Por que mexer no Perse se ele cumpre com o papel proposto? O programa já recuperou mais de R$ 20 bilhões para os cofres da União. Ou seja, o Perse, na sua completude, se paga e fomenta a geração de empregos.

Existem empresas que recebem benefícios bilionários há mais de 30 anos. A lógica deveria ser outra. Isso soa como preconceito e perseguição aos setores de eventos e turismo, além de machucar politicamente o governo do presidente Lula desnecessariamente. 

Inclusive, como foi sua interlocução com o ministro no decorrer do processo que colocou o Perse em xeque?

Ele desmarcou reuniões comigo, com as relatoras do Perse na Câmara e no Senado, a deputada Renata Abreu e a senadora Daniella Ribeiro, com líderes importantes da Câmara dos Deputados, com presidentes de associações ligadas aos setores e, até hoje, não deu satisfação. Sequer deu oportunidade de ouvir o parlamento e os segmentos no Ministério da Fazenda. É como se estivesse de portas fechadas.

Você chegou a comentar sobre dados incompletos da Fazenda sobre o Perse. O que não estava batendo e o que isso significa na prática?

Inicialmente, o ministro Haddad afirmou que o Perse havia consumido R$ 17 bilhões em receitas da União em 2023, dos R$ 25 bilhões acordados para toda a duração do programa. Depois, passou a falar em R$ 13 bilhões de custo no ano passado. 

Os dados fornecidos pelo Ministério da Fazenda em relação ao Perse estavam incompletos e inconsistentes. A pasta apresentou que o custo referente ao programa no ano de 2022 foi estimado em R$ 10,8 bilhões, e, em 2023, teria sido R$ 13,1 bilhões. Por meio de um requerimento de informação, fizemos um questionamento ao ministério para entender o consumo por CNAE detalhado. Com os números fornecidos, o material detalha apenas 32 CNAEs, mas o programa favorece 44. Os outros foram agrupados na categoria ‘Demais’, totalizando 21,43% do custo do programa em 2022 e 19,52% da estimativa de despesa para o exercício de 2023. Nos dados de 2022 apresentados pela Fazenda, cerca de 10 CNAEs contabilizados haviam sido retirados do programa por meio da Lei 14.592 de 2023, e outros nove nunca fizeram parte do programa. Já na estimativa de despesa de 2023, nove atividades também foram excluídas do programa pela mesma lei, e outros nove CNAEs nunca integraram o Perse.

A cargo de exemplificação, o CNAE 8.121-4/00, ‘Limpeza em prédios e em domicílios’, consta tanto no custo de 2022 quanto na estimativa de 2023. No entanto, esse CNAE nunca integrou o rol de beneficiários do Perse. Da mesma forma, nos dados apresentados pela Fazenda, o CNAE 8.011-1/01, ‘Atividades de vigilância e segurança privada’, consta tanto no custo 2022 quanto na estimativa de 2023, sendo que foi retirado do programa com a MP 1.147, que originou a Lei 14.592 de 2023.

Precisamos de mais transparência em relação aos números, que não são consistentes. Sem a apresentação de um estudo detalhado por CNAEs, qualquer argumento fica frágil. Os números apresentados pelo Ministério [da Fazenda] por meio do nosso pedido de informação clarificam isso. 

Apesar da dificuldade na interlocução com Haddad, teve quem amarrasse as pontas. A quem você credita isso? 

À deputada Renata Abreu, na Câmara, que mais uma vez teve o papel de relatar o Perse. Ela também foi relatora no nascedouro do Perse, em 2021 e teve a capacidade de diálogo de construir um texto junto com todas as associações e de fazer uma proposta que não era o que o governo queria, mas que conciliasse o sentimento e o desejo dos setores turismo, eventos e cultura em algo que o governo pudesse ceder. Então ela fez um papel muito importante, assim como a senadora Daniella Ribeiro, que foi relatora também no nascedouro do Perse em 2021, no Senado, e novamente agora no novo formato. Por isso, eu destacaria o papel das duas relatoras. 

No fim das contas, o Senado não mexeu no texto que veio da Câmara. É uma consequência do texto, que estava muito redondo, ou, na verdade, foi muito trabalho de diálogo do governo com os parlamentares?

Não. Foi 100% a senadora Daniella Ribeiro, que mais uma vez, com a capacidade do entendimento da negociação, conservou o texto da Câmara com vistas ao compromisso do governo de não vetar nenhum artigo do que foi aprovado pelo Congresso e não judicializar o tema.

Então você considera que não houve qualquer apoio por parte do governo?

Eu sempre tive o apoio do ministro do Turismo [Celso Sabino], do presidente da Embratur [Marcelo Freixo] e da ministra da Cultura [Margareth Menezes], que publicamente colocou sua posição contrária em relação ao fim que o governo estava propondo ao Perse.

Mas, politicamente, por mais que o ministro [Alexandre] Padilha tenha prestigiado o meu aniversário e da Renata [Abreu], dizendo que era a favor de um Perse coerente, nunca houve um apoio incisivo interno dentro do governo. Eu acho que muita gente não quis se indispor com o ministro Haddad, e a única voz foi para fora, a voz da ministra Margareth, que, inclusive, publicizou essa insatisfação e recebeu aplausos do setor pela coragem.

Qual sua avaliação sobre o texto aprovado nas Casas? Esperava destaques do Senado? 

Vários senadores queriam mexer, incluir novos CNAEs, pautar a questão da correção pela inflação nos próximos três anos, entre outros pontos.

Eu, particularmente, falei com alguns senadores, até com os de oposição ao nosso conjunto político, para retirar destaques e fazer o pacto que foi celebrado. Além disso, existia o componente da celeridade, já que era importante que a aprovação não passasse do mês de abril, por conta da questão da judicialização dos impostos a serem pagos a partir de abril. 

O que representantes dos setores afetados acharam do desfecho do Perse?

Antes, estavam preocupados com a insegurança jurídica e com os contratos celebrados que estavam previstos no Perse. Por ser um tema que foi tratado e discutido no ano passado, muitos fizeram o planejamento de 2024 baseando-se nisso. 

Agora, a aprovação foi celebrada, e eu acho que foi uma construção importante. Senadores abriram mão dos destaques do texto em nome de um um novo programa, que pode não ser perfeito, mas que é o possível e que foi aplaudido por todos os setores, por todas as empresas, tanto do lucro real quanto do presumido. Desde um artista, um produtor cultural, até o [setor] hoteleiro, as agências de viagem, os exibidores de cinema. Todos concordaram com o texto.

Espera vetos do governo? Se o PL for sancionado como está hoje, quem saiu mais “prejudicado”?

Eu acho que é sancionado do jeito que está, até porque foi um acordo político, e a gente confia nos acordos. Temos a expectativa de que será honrado. E não existe um ‘prejudicado’. O Congresso garantiu a manutenção da essência do Perse.

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