• 07.07.2021
  • Redação

Governo não se esforçou para aprovar uma reforma ampla

O economista Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal, afirma que as propostas da equipe do ministro Paulo Guedes atacam distorções do sistema tributário criando outras. À Esfera Brasil, ele também criticou a falta de empenho do governo em aprovar uma reforma mais ampla da tributação sobre consumo. Para o economista, que foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, o capital político e as concessões são as mesmas para aprovar a CBS ou um IVA mais amplo.

 

O senhor afirma que o PL 2337 vai gerar novas distorções e terá um impacto negativo sobre o crescimento. Por quê?

Tem muito a ver com as mudanças que o governo está fazendo na tributação do lucro via redução de 5 pontos percentuais da alíquota do Imposto de Renda para empresas, a criação de uma alíquota de 20% na distribuição e a vedação à dedução dos Juros sobre Capital Próprio. Quando você tem renda do capital, pode receber de quatro formas: lucros, juros, aluguéis e ganhos de capital. Num bom sistema, a diferença entre as várias formas seria a menor possível. Comprar uma debênture ou aplicar dinheiro comprando uma ação da empresa não deveria ter muita diferença. Na maioria dos países, o lucro acaba pagando um pouco mais de imposto. No Brasil, essa distorção existia, mas era limitada pela possibilidade de uma parte do lucro ser distribuído como Juros sobre Capital Próprio, que paga uma alíquota de 15%. E a alíquota que incidia sobre o lucro que não era JCP era tributada ao máximo de 34%. Na prática, a maioria das empresas acaba tendo uma alíquota efetiva menor do que 34%. Com a proposta do governo, acaba a isenção da JCP e a alíquota incidente sobre o lucro distribuído passou de 34% para 43,2%. São 29% na empresa, mais 20% dos 71% que não são tributados na empresa na distribuição. Isso dá 29% mais 14,2%, somando 43,2%. A alíquota incidente sobre juros e ganho de capital ficou a mesma, de 15%, e, em alguns casos, o ganho de capital pode chegar a 22,5%. Portanto, você aumentou a tributação da renda do capital recebida como lucro. E isso gera distorções. Estimula as empresas a se endividarem mais e se financiarem menos via capital próprio, via ações. Isso leva a uma maior alavancagem, que torna as empresas mais frágeis em momentos de instabilidade financeira. Ao mesmo tempo, a alíquota de 43,2% é bastante alta, relativamente ao que incide hoje no lucro distribuído, que oscila entre 15% e 34%. Isso pode ter o efeito de desestimular o investimento no Brasil. Com a proposta, aumenta o desequilíbrio entre a tributação do lucro e as formas de renda do capital, tornando bastante oneroso o investimento em empresas no Brasil. E tem outras distorções, como o limite de isenção de R$ 20 mil mensais de dividendos para empresas que têm faturamento de até R$ 4,8 milhões. Esse limite pode ser usado para dividir as empresas ou mesmo estimular as empresas a pararem de faturar, de vender, para poder se beneficiar desse limite de isenção. É um erro enorme de desenho de política tributária, porque faz a economia crescer menos.

 

Qual o principal problema da tributação para empresas no Brasil?

Hoje tem empresa pagando de 10% a 34% de imposto. Meu ponto é, primeiro, discutir a diferença de cobrança nas empresas e, depois, ir para a distribuição. Do jeito como o governo está fazendo, a empresa que paga pouco imposto vai continuar pagando pouco, mas vai pagar na distribuição, o que corrige parcialmente o problema. Mas a empresa que não consegue reduzir a alíquota efetiva vai pagar também 20% na distribuição, e vai ser muito onerada. Não dá para tratar isso setorialmente porque varia muito. Alguns setores, como bancos, que já tem uma tributação muito alta e conseguiam se beneficiar da dedução do Juro sobre Capital Próprio, vão ser muito prejudicados. Mas a questão é setorial. Vou dar um exemplo: tem uma empresa de prestação de serviço no lucro presumido em que é uma pessoa trabalhando sozinha e basicamente trabalhando sem custo e que ganha R$ 50 mil por mês. Hoje essa pessoa está pagando 9,6% de imposto com IRPJ + CSLL e não é tributada na pessoa física. Com a proposta do governo, a alíquota para a empresa dessa pessoa vai, inclusive, baixar. A tributação na distribuição compensaria parcialmente, embora não até os R$ 20 mil mensais, só acima disso. Ao mesmo tempo, tem prestador de serviço no lucro presumido que tem muitas despesas, tem muitos empregados em que o lucro da empresa é 35% do faturamento e é muito perto do 32% de lucro presumido e que não tem nenhum benefício no modelo atual e vão ser também prejudicados pela tributação na distribuição. Repito: não é uma questão setorial. É uma questão de quem consegue se beneficiar de distorções no sistema atual que não serão corrigidas no novo sistema.

 

Algum setor seria beneficiado pelas propostas do governo?

Com a mudança na tributação do lucro, nenhum setor, no agregado, seria beneficiado. Todos iriam pagar um pouco mais de imposto. O problema fundamental não é saber qual setor vai ganhar ou perder, mas saber quais distorções do sistema precisam ser corrigidas. Tem distorções distributivas que precisam ser corrigidas, mas a melhor forma de resolver seria reduzir o espaço para tributar o lucro a uma alíquota efetiva muito menor que a nominal nas empresas. Isso vale tanto para as grandes, e aí tem que fechar várias brechas da redução do lucro tributável, mas vale também nos regimes simplificados, e aí precisaria mudar a forma de calcular o lucro presumido e talvez até no Simples. Se você consegue reduzir a evasão na empresa, pode tributar uma alíquota menor na empresa e menor na distribuição e, idealmente, integrar essa tributação no imposto de renda da pessoa física. Assim, um pequeno acionista iria pagar menos imposto do que um grande acionista. Na proposta do governo, um pequeno acionista de uma grande empresa vai pagar tanto imposto quanto um grande.

 

A CBS é um caminho para chegarmos ao IVA?

Existe hoje a possibilidade de aprovar uma reforma ampla incluindo ICMS, ISS e IPI – além de PIS e Cofins. O custo político de aprovar essa reforma não é muito diferente do custo político de aprovar a CBS. As concessões que teriam que ser feitas para aprovar o IVA não são muito maiores do que para aprovar a CBS e o ganho em termos de potencial de crescimento é muito, muito superior. O problema é que o governo, em momento nenhum, se esforçou de fato para aprovar uma reforma ampla. É um erro. Agora estão em discussão com o senador Roberto Rocha (PSDB-MA) para fazer um texto de reforma incluindo ICMS e ISS com apoio do governo. Primeiro teria que tentar uma reforma ampla, antes de partir para uma restrita. E, segundo, tem problemas com a CBS. O primeiro problema é de capital político. Se gastar capital político para aprovar a CBS, não vai ter para aprovar uma reforma ampla. O segundo problema é que, para aprovar a CBS, o governo provavelmente vai fazer concessões. Essas concessões tendem a virar um piso para as discussões, nem que seja num próximo governo, para incluir o ICMS e o ISS. Em vez de fazer tudo de uma vez, e fazer só uma vez as concessões, talvez tenha que fazer uma concessão agora e mais concessões no futuro para aprovar um IVA amplo, o que significa que os benefícios de ter regras mais homogêneas vão sendo perdidos nesse processo. Embora o projeto da CBS, tomado individualmente, não seja ruim, não acho que a CBS seja um caminho adequado, principalmente quando já se tem a possibilidade de discutir um IVA mais amplo.

 

Qual a sua avaliação geral das propostas, inclusive das medidas para evitar a elisão fiscal?

Tem medidas boas, mas tem erros de calibragem. São muitos detalhes e precisaríamos de horas para analisar. É importante fechar brechas de elisão, mas elas existem quando você tem um sistema que não é neutro. O ideal seria ter um sistema mais neutro, em que a renda fosse tributada da mesma forma, independentemente de como ela é recebida, do que ter um sistema que é cheio de diferenças – que o governo inclusive está aumentando com as propostas – e aí fica inventando puxadinhos para evitar possibilidades de elisão.

 

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