• 16.09.2021
  • Redação

Afinal, qual é a revolução do 5G?

O Brasil está perto de realizar o leilão das frequências do 5G – e abrir as portas para uma nova revolução tecnológica. Wilson Cardoso, Chief Technology Officer da Nokia para América Latina, traduz o que a internet móvel mais rápida e confiável pode trazer para o país e para as nossas vidas. São desde ganhos de produtividade em uma mina ou em um hospital até a queda no preço dos smartphones.

Em entrevista à Esfera Brasil, Cardoso comenta, ainda, os requisitos do edital da Anatel em termos de segurança e ampliação da rede para lugares remotos. 

Wilson Cardoso participa de evento da Esfera Brasil nesta quinta-feira, 16, para discutir o futuro do Brasil com 5G. É possível acompanhar ao vivo os painéis, que falam sobre os impactos da tecnologia para a economia, a segurança e o agronegócio, a partir do Facebook da Esfera

Um estudo feito pela Omdia encomendado pela Nokia mostra um ganho de US$ 1,2 trilhão para a economia brasileira nos próximos
15 anos com a implantação do 5G. Como isso vai se dar, na prática?

Vou começar qualificando o que o 5G permite fazer lembrando como chegamos até aqui. O 1G conectava as vozes das pessoas. O 2G começou a lidar com um pouco de dados e mensagens. No 3G começamos a trocar um pouco mais de informações. O 4G que temos hoje possibilitou esse monte de aplicações nos smartphones e introduziu a conexão de máquinas. Mas o 5G surgiu, de fato, para conectar pessoas e máquinas.

Quando a gente fala em conectar máquinas, estamos falando desde uma colheitadeira agrícola até um robô que pode entregar medicamentos em hospitais. Vou pegar um exemplo bem típico: em uma mina que extrai minérios, um motorista fica no caminhão, subindo e descendo todo tempo. Eu tiro o motorista desse caminhão e o coloco numa sala climatizada com um joystick, para que ele fique monitorando o caminhão com o 5G, que tem baixa latência, alta velocidade e alta disponibilidade de rede. Com isso, vamos economizar, por exemplo, 30% de combustível, porque vai fazer somente a rota correta, não vai acelerar demais, não vai frear demais, não vai ter acidente e, se tiver, não vai ter uma pessoa ferida. Esses ganhos de produtividade acontecem numa mina, no campo, num armazém de logística e até mesmo num hospital, especialmente importante nesses tempos de covid. 

De acordo com as estatísticas, os enfermeiros caminham 24 km por semana só para buscar remédios dentro do hospital. Se tivermos um clobô (robô colaborativo) que faz essa etapa – e pode passar por processos de desinfecção muito mais rigorosos do que seres humanos – será fantástico. Teremos ganho de produtividade e diminuição de riscos.

Se somarmos todos esses ganhos, temos um impacto de US$ 1,2 trilhão nos próximos 15 anos. Por isso, quanto mais rápido a rede entrar, melhor será.

 

Como estão os outros países na implantação do 5G?

Os primeiros projetos de 5G começaram principalmente no Japão, na Coreia do Sul e nos EUA. Não estavam motivados por uma evolução de produtividade, e sim por causa da falta de espectro para o crescimento das redes 4G, que já estão sufocadas. Como indústria, tivemos que antecipar o 5G. Esse 5G é o”não standalone” ou “5G não puro”, que usa o 4G para fazer o upload de dados e o 5G para fazer o download. Isso aconteceu lá em 2019 e foi a primeira geração do 5G, implantada nos últimos dois anos. Agora, estamos entrando na era do standalone, no Release 16 da Anatel, que já possibilita a conexão de mais funcionalidades. É uma geração mais avançada, porque os equipamentos terminais para isso já estão disponíveis. É o que permite o upload e o download já com o 5G, sem depender do 4G.

 

O edital para a implantação do 5G no Brasil prevê uma rede de segurança nacional. Qual a questão de segurança com o 5G?

Com o 5G, estamos ligando mais usuários por quilômetro quadrado. É um número grande, com muito mais velocidade e muito menos latência. E grande parte dos problemas que acontecem hoje vem dos equipamentos terminais. Por exemplo, quando tenho uma câmera fotográfica e não atualizo o software que faz a conexão. 

O que a gente está fazendo com o 5G é abrir uma quantidade enorme de portas, com muito mais velocidade, possibilitando muito mais ataques. Claro que, quando a gente faz isso, criamos mecanismos de controle muito mais efetivos. Em uma rede do governo, não podemos correr riscos. Na Inglaterra, existem as redes privadas, ou privativas, principalmente para os serviços que chamamos de “missão crítica”. 

O melhor exemplo que temos, hoje, de uma rede privada é a FirstNet, que é administrada por um operadora (AT&T), mas é separada, porque usa frequências diferentes, assim como será no Brasil. Está disponível nos EUA e é uma rede completamente separada, justamente para serviços de missão crítica, de segurança nacional. Ela foi criada depois do 11 de setembro, no 4G ainda, e, agora, está migrando para o 5G.

 

Um hospital, que é um ambiente crítico, que precisa de confiabilidade, também deveria estar nessa rede separada?

Não, seria outra construção. Um hospital pode ter sua rede privada. O modelo da Anatel reservou um bloco de frequências entre os espectros 3.7 e 3.8 GHz que não é objeto do edital, mas será objeto de outorga depois, e poderá ser solicitado para virar uma rede privada 5G. Nessa rede você tem tudo separado do mundo, justamente para ligar esses dispositivos críticos, mas pode, claro, colocar todos os mecanismos de segurança para fazer com que essa rede fale com o resto do mundo, se assim desejar. Ou pode deixá-la completamente isolada, como se fosse uma ilha. Mas isso tem um custo.

E existe outra possibilidade no 5G, que a gente não tinha no 4G do ponto de vista tecnológico, que é criar um network slice, ou seja, uma fatia de rede. Você pode criar mais de um milhão de redes virtuais dentro de uma rede 5G. Então, se você é uma operadora como Claro, Vivo e TIM, e cria uma rede 5G, pode vender um slice de rede no qual só um cliente fala, só um cliente entra e os dispositivos só falam entre si. É a operadora que administra essa rede, como se fosse um aluguel de serviços, modelo parecido com o de hoje. A vantagem é que ela tem todos os padrões de segurança, velocidade e disponibilidade separadas da rede pública, customizável e não aberta a qualquer telefone.

 

Nesse modelo, vale a pena ter uma rede separada só para o governo, já que é possível garantir a segurança?

Vale, porque alguém precisa administrar essa base de dados dos usuários. Então esta é a questão: quem vai administrar isso? São dados sensíveis.

 

A perspectiva é que o leilão do 5G aconteça em novembro – a previsão de outubro se frustrou após um pedido de vistas na Anatel. Quando deve, de fato, acontecer a implantação do 5G no Brasil? 

O atraso é normal, faz parte do processo. Não tem nada de inesperado. Na verdade, até tem, mas a gente entende que é parte do processo, que é grande, complexo. Ainda assim, não pode demorar muito mais. 

Ainda ninguém está tomando decisões para investimentos do tipo: “Não vou colocar uma indústria no Brasil porque não tem 5G lá”. Ainda não chegamos nesse ponto, mas pode acontecer. O 5G é a base dessa conectividade que vem para o futuro. Temos clientes globais, como a Toyota, que já começaram a automatizar as fábricas com 5G no Japão. E a Toyota tem fábricas no Brasil. Quando isso vai chegar aqui? Nós da Nokia já automatizamos, com 5G, nossas fábricas na Finlândia e na Índia. Estamos vendo se dá para trazer para o Brasil? Sem dúvidas. É questão de tempo. 

Mas, com o leilão acontecendo, sou otimista: acredito que o mercado vai demandar muito mais do que as próprias metas que foram colocadas no edital de cobertura. A gente percebe que os ciclos de adoção são cada vez mais curtos. No 2G, para atingirmos 200 milhões de usuários, levamos praticamente 18 meses. No 3G, para atingir 50% desses 200 milhões, demorou 12 meses. Para o 4G, 8 meses. Para o 5G, a gente imagina que, com toda essa atratividade, principalmente para a indústria, a adoção seja mais rápida ainda, principalmente porque será o 5G standalone.

 

Nos celulares mais novos, em alguns lugares, já aparece o sinal do 5G. O que significa isso? 

São justamente as primeiras implementações do 5G. Você pode utilizar qualquer frequência para o 5G, a Anatel permitiu. É possível tomar parte do espectro do 2G, 3G e 4G para transformá-lo em 5G. Só que o 5G só começa a ficar eficiente com bastante espectro alocado. Por isso, a preocupação da Anatel, em discussões que tivemos nos últimos três anos, é que, principalmente na faixa de 3.5 GHz (a oficial para o 5G), os blocos sejam de 80 MHz. Com 80 MHz, consigo ter uma eficiência espectral muito boa. Hoje, com o 4G, existem operadoras que não têm 80 MHz de espectro, então não adianta pegar uma estrada que tem quatro pistas, reformá-la e fazê-la ficar mais reta, porque ela não vai transportar muito mais do que a estrada anterior. Agora, com o leilão, são muito mais pistas, muito mais capacidade de tráfego. 

Quando a gente vai para as frequências da faixa de 26 MHz, a quantidade que nós estamos ampliando para transmissão é quase infinita. Tem a limitação da distância, mas, com o tempo, vamos melhorando o desempenho.

 

Para a população em geral, qual é o impacto no dia a dia?

Com a pandemia, passamos por um processo forçado de digitalização. Todos somos mais digitais agora, então o fato de estarmos em home office, por exemplo, nos faz precisar de um backup em casa, de conectividade em lugares remotos com alternativas à fibra e de uma rede própria que pode ser levada a lugares públicos. Isso tudo vai melhorar com o 5G.

E quando o mundo for um pouco mais 5G, e seu telefone estiver conectado o tempo todo, com muita velocidade, pouca latência e muita confiabilidade, muitas funcionalidades podem ir para a nuvem, o que vai diminuir a necessidade de um celular com enormes processadores, memórias e baterias. O que vai acontecer com os preços? Devem abaixar com o tempo. Os aparelhos, por sua vez, serão muito mais eficientes.

 

Vocês têm dados do impacto social disso?

É muito cedo para dizer ainda, mas, a partir do momento em que se tem um grande dispositivo de processamento em mãos – porque o telefone vai virar um dispositivo de entrada e saída de dados –, e tudo isso for para a nuvem, a gente imagina que esse acesso se popularizará muito mais. Isso é fundamental para o desenvolvimento humano e para a sociedade. A educação pode se tornar algo muito mais acessível, ainda mais com o barateamento dos dispositivos e a melhor conectividade. Por isso que a gente fala que o 5G vai ser uma transformação violenta. E deve acontecer entre os próximos três a quatro anos. É uma realidade factível.

 

Uma questão do edital é garantir a conexão para alguns lugares mais remotos no Brasil, como a Amazônia. Há solução para esse problema?

A gente desenvolveu equipamentos simplificados para atender a essas demandas que teremos dos governos, tanto para instalações nas rodovias quanto para instalações nas localidades rurais, que estão desatendidas hoje. São equipamentos que qualquer pessoa pode instalar. Claro que não vou ter uma torre enorme, mas, se eu pegar um poste numa aldeia, consigo colocar, via satélite, 5G naquela região e fazer funcionar, sem treinamento técnico e com um custo compatível. Além disso, o equipamento tem o tamanho de uma caixa de sapato. Através de uma logística muito simples, posso chegar a qualquer lugar.

 

Qual a perspectiva da Nokia para investimentos nesse setor no Brasil?

A gente vem se estruturando, pensando no que aconteceu lá fora, para criar um ecossistema, porque vemos que o 5G não se resume a fornecer a conectividade. A exemplo do que foi feito na Alemanha, onde criaram, por meio de um incentivo governamental, um projeto chamado Arena 2036 – já que, em 2036, serão 150 anos desde o lançamento dos automóveis. E o que eles estão fazendo? Reunindo mais de 35 empresas nesse galpão enorme, conectado com 5G, onde essas empresas já vão ensaiando como serão os carros do futuro e a indústria do futuro, para produzir carros baseados em 5G. 

A gente fez a mesma coisa aqui no Brasil, no Senai São Caetano do Sul, com quem fizemos um convênio para formar mão de obra e construir uma base de conectividade para a indústria, aproveitando o laboratório que o Senai já tinha de Indústria 4.0. Tínhamos uma preocupação muito grande em relação à mão de obra. Fizemos convênio também com a Universidade Federal de Campina Grande, para ter um pólo no Nordeste, principalmente para aplicações voltadas ao ensino e à medicina. Além disso, estamos fazendo convênios isolados com universidades para tratar de tópicos específicos.

Também apoiamos bastantes projetos-piloto do Ministério das Comunicações. Cabe destacar os dois últimos. Um foi na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), lá em Londrina, no Paraná, onde conectamos máquinas colheitadeiras e drones, para fazer o roteamento da cultura, bem como viabilizamos consultas remotas com veterinários, para auxiliar no diagnóstico do gado. E o outro foi no Instituto Mato-grossense do Algodão (IMA), lá em Rondonópolis, no Mato Grosso. Temos feito esses processos sistematicamente e vamos fazer outro no Rio Grande do Norte, na fruticultura. “Como eu posso economizar água? Como eu posso usar um drone para aplicar fungicidas? Em que área específica devo soltar percevejos para um controle biológico de pragas?” são perguntas que poderão ser respondidas pela tecnologia. Ou seja, a quantidade de aplicações é enorme. 

 

Ainda estamos discutindo a chegada do 5G, mas a indústria já se prepara para o 6G. Que mudanças ainda estão por vir?

A gente uniu as máquinas, agora falta unir o biológico. É possibilitar, por exemplo, que a gente tenha um gêmeo digital para fazer o monitoramento 24 horas por dia da nossa saúde. Isso vai acontecer.

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