Terras raras e a corrida por recursos estratégicos

País tem a segunda maior reserva de terras raras do mundo e os EUA demonstraram interesse na exploração de minerais estratégicos brasileiros

Por Sidney Gonçalves

Em plena disputa global por recursos estratégicos, o Brasil desponta como peça-chave no xadrez geopolítico das chamadas terras raras, insumos fundamentais para o desenvolvimento de indústrias de alta tecnologia e transição energética.

Apesar de abrigar a segunda maior reserva do planeta, o Brasil ainda patina na capacidade de refino e agregação de valor devido à falta de plantas industriais especializadas, escassez de investimentos consistentes em pesquisa aplicada, ausência de dados precisos sobre o tipo de solo e de políticas públicas consolidadas para incentivar a cadeia produtiva de alto valor. Com isso, o País corre o risco de exportar minério bruto enquanto outras potências consolidam o domínio tecnológico e de mercado.

De acordo com o Serviço Geológico do Brasil (SGB), o Brasil abriga 21 milhões de toneladas de terras raras, o que representa 23% das reservas de terras raras de todo o mundo. No entanto, o País produziu apenas 20 toneladas de minérios críticos em 2024.

O tema ganhou holofotes após os Estados Unidos demonstrarem crescente interesse no acesso às terras raras brasileiras e outros minerais estratégicos.

Nos bastidores internacionais, Washington tenta estreitar laços com Brasília, oferecendo acordos de cooperação técnica e investimentos em pesquisa. O governo americano já sinalizou interesse em terras raras, nióbio e lítio, o que coloca o Brasil em posição estratégica de negociação.

No último mês, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) organizou a ida de 130 empresários aos EUA, onde trataram de cooperação na exploração desses minerais, incluindo transferência de tecnologia, mapeamento geológico e linhas de financiamento. O setor mineral, contudo, mantém cautela e aguarda detalhes sobre as possíveis parcerias. O governo brasileiro realizou a primeira reunião do Conselho Nacional de Política Mineral (CNPM), em que foram aprovadas seis resoluções que estruturam a nova governança da política mineral do País com medidas voltadas ao tratamento de minerais críticos.

Para Rafael Rodrigues de Assis, docente e pesquisador da área de recursos minerais do Instituto de Geociências (IGc) da Universidade de São Paulo (USP), o interesse renovado pelas terras raras se explica por dois movimentos interligados: avanço tecnológico global e a transição energética. “Smartphones, veículos elétricos, turbinas eólicas, componentes para satélites, displays de LED e semicondutores dependem diretamente das propriedades químicas e físicas únicas desses elementos.” 

Segundo o Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS, na sigla em inglês), cerca de 35% do consumo global desses elementos é destinado à fabricação de ímãs permanentes, 25% a catalisadores, 15% a vidros e cerâmicas, e o restante a ligas metálicas e outros usos industriais. Esses metais são insubstituíveis, de acordo com o especialista da USP, devido às suas propriedades magnéticas, ópticas e eletrônicas que nenhum outro material substitui com a mesma eficiência. Isso os torna estratégicos e essenciais para a economia verde e a revolução digital, mas também vulneráveis a crises de suprimento e pressões geopolíticas.

Domínio chinês

O domínio global das terras raras está concentrado na China, com 49% das reservas de todo o mundo. Desde os anos 1980, o país — que descobriu em 1927 o maior depósito do planeta, em Bayan Obo — construiu seu monopólio de forma estratégica, restringiu exportações para elevar preços e depois inundou o mercado para derrubar concorrentes. Cerca de 85% da capacidade mundial de refino e 69% da produção global ainda estão concentradas na China, o que mantém outros países produtores dependentes de sua indústria.

Enquanto isso, o Brasil conhece o potencial em abrigar depósitos minerais para Elementos de Terras Raras (ETRs) desde a década de 1950, com a exploração das areias monazíticas do Espírito Santo em placeres litorâneos — depósitos minerais que se formam na plataforma continental —, mas só retomou atenção ao tema a partir da década de 2010, tornando-o central no debate público e governamental apenas recentemente. “O País ainda não domina as etapas mais complexas da cadeia produtiva: da prospecção à metalurgia, passando pelo refino químico e pela fabricação de produtos. Hoje, nenhuma dessas etapas é feita em escala industrial”, explica Rafael Rodrigues de Assis. 

Nesse cenário, o senador Chico Rodrigues (União-RR) apresentou o PL 2.210/2021, que institui a Política Nacional de Terras Raras. O projeto busca criar uma cadeia produtiva coordenada, incentivar a industrialização de produtos de alto valor agregado e priorizar o desenvolvimento tecnológico interno, com instrumentos como prioridade no licenciamento ambiental e a criação de um laboratório-fábrica de ímãs e ligas, além de apoio à pesquisa e inovação. O texto também prevê estímulo à verticalização da produção e parcerias público-privadas (PPPs), com participação de universidades e centros tecnológicos.

Alguns pontos do projeto de lei ainda não foram esclarecidos, como a participação de empresas estrangeiras, mecanismos de inclusão de startups e universidades, diretrizes sobre tecnologia limpa e destinação de rejeitos radioativos, além de estratégias para evitar exploração fragmentada e garantir neutralidade estratégica frente a blocos internacionais. A Revista Esfera também questionou o senador Chico Rodrigues, por e-mail, sobre a estratégia e instrumentos da Política Nacional de Terras Raras, mas não obteve retorno. Entre elas, estavam questionamentos sobre incentivos fiscais, metas de verticalização, mecanismos para limitar participação estrangeira e exigências ambientais.

Assis avalia que, apesar das reservas expressivas, o Brasil “perdeu o timing” para desenvolver sua indústria de terras raras, pois ainda não domina as etapas mais complexas da cadeia. “É preciso dominar todas as fases: da prospecção à metalurgia, passando pelo refino químico e a fabricação de produtos. Hoje, nenhuma dessas etapas é feita em escala industrial. Isso faz com que as reservas, mesmo grandes, permaneçam como potencial, e não como riqueza real. Não basta ter a jazida, é preciso transformá-la em cadeia produtiva e agregar valor internamente.”

Planos do governo

Em entrevista à Revista Esfera, Uallace Moreira, secretário de Indústria do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), explica que todas as ações da Nova Indústria Brasil (NIB) têm por premissa o adensamento tecnológico das cadeias produtivas, especialmente em setores com vantagens comparativas. “No caso das terras raras, ao Brasil não interessa apenas mapear, explorar e exportar o minério bruto, mas desenvolver internamente as etapas industriais de produtos acabados a partir desses minérios, como as baterias para carros elétricos.”

O secretário reforça que as “decisões de investimento se dão sempre no âmbito empresarial, no setor privado, mas o governo pode usar instrumentos públicos de política industrial para incentivar que esses investimentos foquem em inovação e tecnologia.” Segundo Moreira, dentro do governo, as discussões sobre terras raras são lideradas pelo Ministério de Minas e Energia (MME), com o MDIC — através da NIB — criando mecanismos de adensamento tecnológico.

Ranking global

De acordo com o Serviço Geológico Brasileiro, o País ocupa o segundo lugar no ranking mundial de reservas de terras raras, com cerca de 21 milhões de toneladas, o equivalente a 23% do total global. A China lidera com 44 milhões de toneladas, produzindo 270 mil toneladas. O contraste entre potencial e desempenho, porém, é gritante. Em 2024, de acordo com o SGB, o Brasil produziu apenas 20 toneladas, volume inferior a 0,1% da produção mundial, estimada em 390 mil toneladas. O País, que abriga uma das maiores reservas do planeta, ainda tem presença simbólica no mercado, dominado amplamente pelo refino e pela exportação chinesa.

O tema é prioridade no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), dentro do eixo “Minerais Estratégicos para a Transição Energética”. O Projeto Avaliação do Potencial de Terras Raras no Brasil está em curso em Goiás e Tocantins (Província Estanífera de Goiás), Minas Gerais (Província Alto Paranaíba), Bahia (Província de Jequié e região de Prado), além de Paraná, São Paulo e Santa Catarina (Vale do Ribeira). A ideia é mapear novas ocorrências e dimensionar economicamente as jazidas para subsidiar políticas públicas e atrair investimentos produtivos.

Embora o projeto represente um avanço técnico importante, especialistas ligados a universidades e centros de pesquisa alertam que ele depende de articulação política e industrial para se converter em ganhos concretos. Sem uma política de incentivo ao refino nacional e à formação de cadeias produtivas de alto valor, o Brasil corre o risco de seguir exportando minério e importando tecnologia, um padrão que se repete há décadas na mineração brasileira.

“O Brasil até pode começar agora um processo de industrialização, mas é um caminho que exigirá investimentos maciços, formação técnica, transferência de tecnologia, atração de capital estrangeiro e, sobretudo, vontade política para romper o modelo extrativista”, reforça Rafael Rodrigues de Assis.

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