
- Inovação
- jul | 2025
- Redação
Amplo potencial para qualidade de vida
Além de usarem tecnologia de ponta, cidades inteligentes são projetadas para priorizar a inclusão social e reduzir a desigualdade
O que significa ser uma “cidade inteligente”? Embora o termo seja mais comumente associado à tecnologia, ela representa apenas um dos muitos aspectos que constroem esse conceito. E não se trata de uma ideia futurista — pelo contrário, é bem mais atual e possível do que parece.
No Brasil, são consideradas cidades inteligentes aquelas que estão comprometidas com o desenvolvimento urbano e com a transformação digital sustentáveis. Elas também utilizam tecnologias para solucionar problemas, criar oportunidades, oferecer serviços com eficiência, reduzir desigualdades, aumentar a resiliência e melhorar a qualidade de vida da população. A definição é do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional.
Trata-se, portanto, de um espaço que não apenas usa tecnologia de ponta, mas também é projetado para as pessoas, priorizando a inclusão social, a sustentabilidade e a redução da desigualdade. E é por meio do planejamento urbano que surge uma cidade inteligente.
“O planejamento urbano pode se valer da tecnologia como uma ferramenta poderosa nas questões de inclusão social e sustentabilidade. Cidades inteligentes são aquelas que têm mais dados a respeito de tudo o que acontece em seu território, desde o consumo de água até a necessidade de creches em cada bairro”, detalha Hélio Mítica Neto, sócio-fundador e diretor-executivo da Areaurbanismo. E acrescenta: “Mas esses dados por si só não garantem que os cruzamentos de informações mais relevantes serão feitos ou que essas questões serão endereçadas”.
Segundo Mítica Neto, cabe, então, ao planejamento urbano evoluir para além das questões estáticas de desenho do território, passando a entender as cidades como sistemas complexos e, sobretudo, dinâmicos, para que ele esteja preparado para abordar questões tão importantes quanto inclusão social e sustentabilidade praticamente em tempo real.
Connected Smart Cities
Divulgado em setembro do ano passado, o ranking Connected Smart Cities 2024 analisou dados e informações de todos os municípios brasileiros com mais de 50 mil habitantes, conforme o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2022, somando 656 cidades. A meta era identificar aquelas com maior potencial de desenvolvimento, utilizando indicadores que avaliam aspectos de conectividade, inteligência e sustentabilidade.
O ranking indicou os dez municípios que se destacaram por ações inovadoras e eficazes na integração da tecnologia com práticas sustentáveis em suas infraestruturas e serviços públicos. Para designar as pontuações, foram considerados 11 indicadores: urbanismo; economia; educação; empreendedorismo; mobilidade; segurança; meio ambiente; tecnologia e inovação; saúde; energia; e governança.
A pontuação máxima foi estipulada a partir do relatório Revisão Global de Práticas de Governança de Cidades Inteligentes, produzido em conjunto pelo Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat), o Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF), a Universidade Edinburgh Napier e a Universidade de Tecnologia de Tallinn.
Para 2024, a melhor pontuação era de 67 pontos. No Brasil, as dez cidades com melhor classificação alcançaram pouco mais da metade deste total — o que demonstra ampla oportunidade para melhorias. Para calcular a nota final, foram utilizados três critérios de avaliação:
- peso 0,5 para serviços básicos, verificando se a cidade oferece determinados serviços ou não (exemplo: bilhete eletrônico no transporte público, semáforos inteligentes, agendamento online de consultas de saúde etc.);
- peso 0,8 para leis e avaliações mais complexas (exemplo: leis de zoneamento, uso do solo, plano diretor municipal, atendimento ao cidadão por aplicativo, entre outros);
- peso 1,0 para números que mostram o crescimento ou a escala de desenvolvimento da cidade, como porcentagens e dados quantitativos.
Modais alternativos
Para a primeira colocada do ranking, as palavras-chave são mobilidade, segurança e tecnologia da informação. Florianópolis alcançou a marca de 37,525 pontos e, para a subsecretária municipal de Ciência, Tecnologia e Inovação da Prefeitura de Florianópolis, Ana Paula Reusing Pacheco, os motivos são claros.
“Em relação à mobilidade, o que muito nos destacou foi a questão do nosso parque semafórico inteligente. Além do uso de semáforos inteligentes, a quilometragem que temos de ciclovias em Florianópolis e, também, os modais alternativos, como os patinetes e as bicicletas de uso compartilhado, que estão disponíveis em vários pontos do município”, pontua.
Na área de segurança pública, a subsecretária destaca o uso de câmeras a partir de uma central operacional integrada, que hoje possui mais de três mil aparelhos conectados. O efetivo policial da cidade também é destaque, com 975 agentes para cada 100 mil habitantes.
O município tem ainda 98,3% de cobertura de sinal 5G — e a boa conectividade acaba beneficiando especialmente o setor de saúde. A capital oferece o Alô Saúde Floripa, um serviço de orientação, atendimento pré-clínico, médico e de informação em saúde por telefone, videochamada ou chat, disponível em tempo integral.
“A telemedicina está disponível gratuitamente para toda a população e também para turistas. E, além disso, para facilitar o atendimento via Alô Saúde, foram instaladas algumas cabines em pontos específicos do município, principalmente nas UPAs [Unidades de Pronto Atendimento] e postos de saúde, em que as pessoas que, por exemplo, não têm conectividade, podem ir até esse ponto e, de uma cabine, se conectar e fazer a consulta online com o médico que foi agendado”, relata Pacheco.
Investimentos
O município de Vitória, no Espírito Santo, segue de perto na segunda posição do ranking, com 37,513 pontos. Na capital, os destaques estão em saúde e governança — o que, de acordo com o diretor-presidente da Companhia de Desenvolvimento, Turismo e Inovação de Vitória (CDTIV), Marcus Gregório Serrano, é fruto de um investimento de mais de R$ 50 milhões em tecnologia ao longo dos últimos quatro anos.
“Foi feito todo um trabalho de modernização no parque tecnológico, na Secretaria de Saúde, substituindo equipamentos e computadores que tinham mais de 13 anos de uso, por exemplo. Foi feita também a aquisição de tablets para profissionais de saúde que trabalham nas ruas, como agentes comunitários, agentes de vigilância sanitária, combate a endemias”, explica Serrano.
A cidade também utiliza drones com visão térmica para identificar focos do mosquito Aedes aegypti, principalmente em locais de difícil acesso. É possível, ainda, acompanhar por aplicativo o trajeto do veículo que percorre as ruas pulverizando inseticida — popularmente conhecido como “fumacê”.
“Somos uma das primeiras cidades do País que divulga o estoque de medicamentos em tempo real, praticamente por meio de um painel, em que você consegue ver o estoque de medicamentos disponíveis no município inteiro e a disponibilidade de medicamentos em cada uma das 29 unidades básicas”, destaca o diretor.
Desigualdade e regulação
Embora o acesso contínuo à informação e à conectividade sejam elementos comuns entre cidades inteligentes, ainda há gargalos para a implementação de uma base digital robusta nos municípios brasileiros. Para o coordenador de Direito e Tecnologia do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS Rio), João Victor Archegas, o principal desafio é a desigualdade na infraestrutura de conectividade.
Ele lembra que muitas cidades, especialmente as mais afastadas dos grandes centros urbanos, ainda não contam com acesso estável à internet de qualidade. Além disso, há uma limitação orçamentária e técnica nas prefeituras, que, em muitos casos, não têm recursos ou equipes capacitadas para planejar e executar políticas de digitalização.
“Outro problema é a fragmentação dos sistemas públicos, que muitas vezes não se comunicam entre si, o que dificulta o uso mais inteligente e eficaz dos dados. Sem uma base digital integrada e interoperável, é muito difícil avançar rumo a uma cidade realmente inteligente no Brasil”, avalia Archegas.
A existência de uma base digital integrada acompanha a necessidade de uma regulação para o uso desses dados — o que também pode representar um obstáculo. “Nada é mais importante do que a participação política da sociedade na regulamentação dessas tecnologias e na criação de diretrizes para a sua implementação”, defende Hélio Mítica Neto. “As tecnologias por si só são neutras, mas o uso que faremos delas pode ampliar ou reduzir as distorções existentes. Tudo depende do ambiente político e, por isso, da manifestação da população. Cada sociedade vai decidir o que é aceitável ou não em termos tecnológicos, mas acredito que princípios como a livre circulação, a não discriminação e a igualdade de direitos para o acesso aos serviços básicos são princípios norteadores importantes”, continua.
Archegas lembra que as ferramentas tecnológicas precisam ser auditáveis e supervisionadas, especialmente quando envolvem decisões automatizadas. “O equilíbrio entre inovação, privacidade e segurança exige processos participativos, no quais a população saiba como os seus dados estão sendo usados e possa influenciar essas escolhas. O ponto central é garantir que a coleta e o uso de dados nas cidades estejam sempre orientados pela transparência, pelo consentimento e pela proteção dos interesses dos direitos dos cidadãos”, pondera.