Em Brasília, Lula começa articulações para base de apoio. Em São Paulo, empresários buscam conciliação com novo governo
Por Míriam Leitão
A PEC da Transição foi protocolada, mesmo sem consenso, para ser negociada. Agora a discussão passará a ser sobre um fato concreto. O presidente eleito Lula começou ontem uma maratona de reuniões e conversas nesta semana, que é decisiva. Além de negociar a PEC, ele passará a fechar os nomes dos ministérios. Na área política, Lula está montando a sua coalizão de governo. No meio empresarial, um encontro realizado no fim de semana em São Paulo permitiu que integrantes do novo governo e empresários, mesmo os que tiveram posições públicas a favor de Bolsonaro, conversassem e se entendessem. O vice-presidente eleito Geraldo Alckmin e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, tiveram uma conversa a sós por cerca de quarenta minutos.
Os últimos dias foram cheios de sinais de que a hora é da conciliação entre o capital e o novo governo, e até empresários bolsonaristas fizeram declarações amistosas. O ambiente para essa troca de dois dias foi o Fórum do Grupo Esfera, de João Camargo. Petistas como Márcio Macedo, vice-presidente nacional do PT e que deve assumir a presidência caso a deputada Gleisi Hoffmann assuma um ministério, foram de mesa em mesa conversar com empresários. Estavam também o economista Gabriel Galípolo, que integra o grupo da Infraestrutura, o prefeito de Araraquara, Edinho Silva, o advogado Cristiano Zanin, e Emídio de Souza. Mas o mais importante é que Geraldo Alckmin compareceu ao evento, a pedido de Lula. Um empresário presente definiu assim a reunião.
—O clima era de conciliação. Lula ganhou democraticamente, ninguém contesta a vitória. O pessoal quer garantir as reformas já feitas e ouvir um pronunciamento do que eles pretendem fazer. E todo mundo aceita que o Bolsa Família fique acima do teto, porque sabe que Bolsonaro também teria que fazer isso, caso ele tivesse ganhado. Tem que achar o número certo. E eu acho que todo mundo é favorável a que seja por quatro anos, para não ficar uma espada no pescoço do presidente.
A preocupação nos encontros do fim de semana era para que não se repetisse o clima de crise, que ocorreu após a fala do ministro Fernando Haddad na Febraban. O curioso é que houve vários pontos de concordância entre o que Haddad e o presidente da Febraban, Isaac Sidney, falaram na sexta. “O investimento não dialoga com surpresas institucionais, instabilidade, confrontos e ruídos políticos, falta de previsibilidade e de segurança jurídica”, disse o representante dos banqueiros na sexta.
No encontro do fim de semana, Geraldo Alckmin falou em manter a reforma trabalhista, em fazer a reforma tributária e garantiu que quem apostasse em “irresponsabilidade fiscal” iria errar e se decepcionar. Na mesa com Alckmin, o banqueiro André Esteves minimizou as oscilações negativas da bolsa e do dólar, afirmando que “é natural o mercado ir e vir entre a ambição e o medo”e acrescentou que “o mercado não tem ideologia”. Um empresário presente explicou que a intenção de quem foi ao evento.
— O interesse é dialogar com o novo governo. Vamos parar com a hipocrisia de falar que perdeu por pouco. Perdeu, perdeu. Vamos trabalhar com o governo novo.
Em Brasília, o ambiente era de montagem do governo novo. Antes de uma reunião com o MDB ontem à tarde, eu perguntei a um integrante do partido qual era o assunto da reunião. “Política”, ele respondeu. E explicou que Lula ainda não tinha se reunido com os partidos, por causa da viagem ao Egito e da cirurgia na garganta. Portanto, estava na hora da política.
O grande nó na relação do governo eleito com o Congresso é o destino do Orçamento Secreto, as emendas de relator. A expectativa que eu já ouvi de alguns integrantes do governo é de que o STF resolva o problema considerando o Orçamento secreto inconstitucional, através do voto da ministra Rosa Weber, acompanhada pelo plenário. Essa solução externa pode não vir necessariamente como o PT espera, se Rosa Weber continuar apenas pressionando para que haja mais transparência na distribuição das verbas.
Na conversa de ontem com o MDB, Lula perguntou sobre o interesse do partido de integrar a base do governo, o bloco e o próprio governo. Um participante da reunião me contou que a resposta foi que sim o partido quer ser da base do governo, e do bloco, mas não se discutiu o espaço na administração. É isso que Lula desembarcou em Brasília para fazer: política.
Matéria publicada em 29/11/2022 pelo www.oglobo.globo.com